A Equipe Flamenguista está dentro de nossas casas.

 

Desde a infância, meu Pai, homem desportista, corajoso e trabalhador formou o seu time: os flamenguistinhas rubros. Torcíamos muito, esbravejavamos e saltavamos de alegria quando a equipe ganhava alguma partida ou conquistava algum título. Cresci ouvindo Papai falar de Dida, apelido de um dos meus irmãos, também de Zagalo, Evaristo… Noutras vezes, Zanata, Doval, Lico, Geraldo e muitos outros estampavam as paredes da sala de entrada da Casa Amarela. Quando Geraldo morreu, ainda tão jovem, choramos todos e durante uma semana ficamos em silêncio profundo. Minha irmã, Vanda, ficou em prantos e rezava o terço, ouvindo os noticiários da Rádio Globo, debruçada sobre a cristaleira, na sala principal. Vanda, em todas as decisões importantes torcia e até chorava, com o terço nas mãos, completamente, emocionada pela paixão rubro-negra. A cada partida registrava tudo em seu diário.

Durante a semana cultivávamos a terra, descobrindo os seus segredos até o entardecer, cantando, alegres, sob o sol inclemente, nas colinas de Campestre.

Fui crescendo na vida simples do campo, cuidando do gado, brincando com os primos vascaínos e, aprendendo com a natureza mais pura a valorizar as coisas simples. Neste mundo mágico e profundamente humilde, eu e meus irmãos aprendemos a torcer e a festejar com a equipe implacável de Zico, Cantareli, Júnior, Andrade, Adílio, Tita, Carpegiani, Leandro, Júlio César, Rondineli, Mozer, Marinho, Toninho, Nunes, Raul e outros e, claro, meu amigo Fumanchu. Eis a equipe mais coesa e brilhante que minha inocência juvenil conheceu no futebol brasileiro. Neste tempo, já os via na televisão; imagem imperdível! Se faltasse a energia local, apelávamos para a transmissão pela Rádio Globo:     sob a sentença de papai: silêncio! Havia algo tão fantástico que a emoção extrapolava a tudo. Ninguém se movia, ouvindo, atento, a narração de Jorge Curi e Valdir Amaral. Meu sonho, único sonho: conhecer o Zico. Coloquei o seu pôster sobre a cabeceira de minha cama e sonhava e sonhava com os seus gols e vitórias.

Vieram tempos difíceis, a equipe se desmanchando e novas contratações surgindo. A chegada de Renato Gaúcho, Romário, Bebeto, Sávio, caio, Júnior Baiano, e outros nos fez vibrar, mas o encanto de ser flamenguista tornou-se um pouco apático, ouvindo o rancor das torcidas adversárias. Desde 1995 o Clube Regatas Flamengo deu espaço a outras agremiações brasileiras, chegando a quase ser rebaixado. Triste lamento!

No entanto, nós, assíduos e fiéis torcedores, aprendemos com nossos pais e avós a amar o nosso time, por isso, nos sentimos parte do clube, afinal, o clube não existiria sem a torcida. Ora, falamos de sentimentos. Não se apaga o amor e a paixão. Nunca nos esqueceremos do que a equipe nos faz sentir. É profundamente gratificante trabalhar na segunda-feira quando conquistamos o título, exibindo a camisa personalizada e campeã. Essa empatia, essa paixão vai muito além de torcer. Recentemente, com as notícias do caso envolvendo Bruno, o número 01 do Flamengo, meus pequenos sobrinhos estão arrasados. Perco horas tentando decodificar as mensagens recebidas pelos veículos de comunicação e entender esse processo ímpar que envolve torcedor e jogador. Desde o início das notícias não durmo direito. Ora porque se trata de algo macabro e desumano, ora porque um dos personagens centrais é o Bruno do Flamengo.

Estamos sempre na mesma luta em busca de títulos: uma irmandade. Sim, sinto por Bruno a dor de perder um irmão, por vê-lo naquela enrascada, por um motivo de fácil resolução: assumir a paternidade. Qual o problema? Será que fora envolvido pela manipulação de outros, deixando que tomassem medidas criminosas, ou não tem caráter e personalidade para assumir seus atos? Isso tudo será explicado, assim esperamos. Contudo, como irmã flamenguista de todos os jogadores e ídolos que a nação rubro-negra criou e acompanhou até os dias atuais, me pergunto: um jogador de origem humilde, sem estrutura familiar deve ser recebido pela Diretoria/Presidência do Flamengo sem devido acompanhamento psicológico, mesmo conhecendo a sua vida desregrada fora de campo? Acho que houve co-responsabilidade dos profissionais que atuaram junto a ele. Ou seria ele um homem frio e altamente perigoso, que jamais poderia ser visto por nós, torcedores, atuando pelo Flamengo? Sinceramente, aprendi a amar Bruno como aos outros jogadores do Flamengo, que atuam em campo, mas faltaram-lhe educação e direção moral e ética. Agora, então, as nossas orações para que fatos semelhantes não ocorram. Se formos irmãos, então somos todos cúmplices. O coração simples de uma camponesa ou de outro torcedor flamenguista, nesta hora, sofre, porque não se desassocia sentimento de ação, ação que nos move e comove, através dos campos de futebol. Vamos banir o Bruno? Ele fez muito pelo Flamengo e faz parte de nossa história vitoriosa, mesmo que tenha escolhido o fracasso, o caminho mais difícil para um astro. Mas, claro, se comprovado crime, que receba a punição devida.

Ninguém, jamais arrancará de mim o carinho, o amor pelo meu clube. E nada, claro, me fará arrancar qualquer sentimento cultivado ao longo de muitos anos. Que a atenção de nossa hierarquia superior flamenguista e de outros clubes seja redobrada e não ofereça somente supervalorização do dinheiro, poder e noções consumistas aos atletas. “Há de se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e frutos”. A equipe flamenguista também está em todas as casas brasileiras e não somente na concentração da Gávea. Portanto, amor, dignidade e respeito.

Com carinho e atenção.

 

Castelo, ES 13 de julho de 2010.

Maria José Vettorazzi – Jornalista/Escritora