APRESENTAÇÃO

 

            Esta obra é fruto de pesquisa iniciado no segundo semestre de 1999, atendendo a um chamado de então Prefeito Municipal de Castelo, Paulo Lombra Galvão, que sentia a necessidade de resgatar a história do município de Castelo.

Os trabalhos de pesquisasse estenderam até o primeiro semestre de 2002, quando atual administração, com o Prefeito Municipal, Abílio Corrêa de Lima, e sua equipe, imbuídos do mesmo propósito de resgatar nossa história, deu continuidade ao projeto já iniciado.

Nossa pesquisa abrange um longo espaço de tempo, que vai da pré-história ao início do Século XX. E, ainda temos a pretensão de darmos continuidade e chegar aos dias de hoje. Nesta segunda futura fase, poderemos contar com alguns elementos que foram pouco ou nada utilizados na fase atual, como as entrevistas realizadas com pessoas que vivenciaram o que analisaremos, além de uma maior número de documentos históricos.

Mas, é importante lembrar, que a falta desses documentos não comprometeram o resultado do presente trabalho, pois assuntos importantíssimos foram abordados através de muito esforço, dedicação e seriedade.

Este trabalho vem preencher uma lacuna, até então latente em nosso município, que era a falta de informações sobre nossa história. não estamos, no entanto, desmerecendo tudo que já foi escrito anteriormente sobre o tema. O que queremos expressar a respeito do nosso estudo, é a facilidade de se encontrar, em um só livro e deforma cronológica, a história de Castelo, de sua pré-história até o início do século XX.

A história é uma ciência que objetiva estudar o passado, posi através de fundamentos do passado, é que podemos compreender o presente, que é nossa maior preocupação. A compreensão sustentada em fundamentos históricos e de maneira holística, proporciona um conhecimento alargado e bastante consistente.

Somente levantando fatos sobre a história de Castelo é que teremos condições de analisarmos nossas problemáticas, para tentar solucioná-las.

O que será visto a seguir é o resultado de algumas viagens e de horas de pesquisa grampando informações e formulando conceitos que possam ajudá-lo, nosso caro leitor, a conhecer um pouco da história de nosso município.

Esperamos que gostem de nosso trabalho. E, no mais, só podemos desejar uma boa leitura a todos.

 

Os autores

 

PREFÁCIO

 

 

Ao Receber a “boneca” do livro de André Dell’Orto Casagrande e Maria Helena Mion Barbieiro, sobre a história de Castelo, com o pedido de fazer o prefácio, desanimei. Apesar de conhecer a inteligência de André e de Maria Helena, pensei que iria enfrentar mais uma História contando onde o Imperador fez xixi, onde o cavalo do marquês empacou ou a rua onde a duquesa quebrou o salto do sapato. Para minha surprese – agradável surpresa – enfrento um livro diferente e novo, bem pesquisado e bem escrito, em estilo simples e moderno, uma agradável surpresa – repito – brotada e florescente na cidade de Castelo.

O pior é que eu não sei fazer prefácio, sei, e muito pelas pontas, fazer uns poemas, uns romances e trechos da Histórias da minha cidade, Campos dos Goytacazes, mas prefácio a coisa muda.

Pois bem, os dois jovens historiadores começam pelo começo, como se diz, trazendo a História da bela cidade de Castelo, no Espírito Santo, mostrando como os europeus chegaram ao Brasil, como alcançaram o interior capixaba, como descobriram florestas, rios, bichos, soldados, riquezas minerais, montanhas ouriças e colonizadores terríveis, que escravizaram índios e mataram de fome e chicote os escravos negros. Tudo isso contaram os dois moços, num estilo simples e bonito, enxuto, de tal forma que se chega ao final do livro rapidamente e com pena, querendo ler mais sobre Castelo.

Osório Peixoto Silva

 

André e Maria Helena pesquisaram antigas igrejas, visitaram sítios históricos, levaram velhos livros, andaram por toda a parte em busca de dados da História de Castelo e aí está este livro lindo, cheio de fatos, documentos e lances que atravessarão os tempos e permanecerão mostrando os primórdios de Castelo.

Graça Maria Moreira

I – O PRIMEIROS HABITANTES DE NOSSA TERRA

 

1.1  – Pré-história em Castelo

De acordo com as pesquisas arqueológicas mais recentes, já sabemos que o mais antigo homem da América viveu em solo brasileiro há cerca de 60 mil anos, nas cavernas, onde hoje se encontra o Parque Nacional da Capivara, no Piauí, administrado por órgãos como o Ibama e a Fundham (Fundação do Homem Americano). Foi possível a comprovação de sua idade através do carbono 14.

Haviam encontrado no sul do continente inúmeros artefatos de pedra, de ossos, pedaços de cristais de quartzo e de conchas, que datavam de mais de 8.000 mil anos a.C. em várias regiões como Minas Gerais e no Piauí.

Quanto mais a pesquisa se intensificava, mais remoto no tempo os achados surgem.

No Espírito Sando, as pesquisas arqueológicas são liberadas pelo Museu Histórico Nacional e pela Universidade Federal do Espírito Santo e muito já se conseguiu detectar sobre a presença de grupos pré-históricos como os mais antigos, que datam de 7,5 mil anos atrás, na região de Gironda, através de artefatos e fósseis encontrados ao longo do Rio Fruteiras em Cachoeiro de Itapemirim.

O ambiente em que esses homens pré-históricos viviam era bastante hostil, clima frio, vegetação rasteira, era o Período Terciário, 35 milhões a 7 mil anos a.C., tinham que disputar com animais gigantes que também buscavam sua sobrevivência, como as preguiças que chegavam até a 6 metros.

Se compararmos ao primitivo, vemos uma desproporção muito grande. Esses grupos humanos aqui encontrados apresentavam a altura entre 1,65 e 1,70 metros, crânio arredondado e pouco pelo no corpo, andava nu e vivia da caça, da pesca e da coleta de frutos, raízes, o que lhe dava a condição de nômade. Viviam em grupos de mais ou menos 60 pessoas, não havia propriedade privada, sendo uma sociedade igualitária. Usavam como instrumento de trabalho a pedra lascada e depois polida, além de osso que também ajudava na manutenção da sua sobrevivência. Eram hábeis caçadores e não desenvolviam nenhuma cultura a não ser a língua em comum, provavelmente de origem asiática.

E é essas mesmas características e condições que viveram vários grupos pré-históricos no sul do Espírito Santo.

Aqui encontramos 2 formações geológicas, o complexo cristalino terciário que forma o Forno Grande e toda a Serra Geral Brasileira e na região de Castelo e Cachoeiro aparece a formação de afloramento calcário onde se encontram várias grutas que serviam de habitações pré-históricas a grupos que aqui viveram.

Grande parte dessa história, em Castelo, tem como ponto de referência as pesquisas científicas arqueológicas do professor Celso Perota, uma das maiores autoridades em cultura indígena, que vêm desde muitos anos num trabalho incansável de busca por fósseis e vestígios de passagem desses grupos humanos no Espírito Santo e em especial, em Castelo.

O professor Celso Perota esteve em Castelo, em 1969 e com suas observações e pesquisas, encontrou na Gruta do Limoeiro indícios as presença desses grupos. Ali começou os primeiros trabalhos pela descoberta de vestígios e fósseis. Em 1979 foram feitas escavações arqueológicas na área da entrada da gruta sendo recolhidos uma série de elementos arqueológicos, como, pontas de flechas, colares e a mais ou menos 60 a 80 cm do solo, oito sepultamentos em posição fletida, tradição indígena comum nos sepultamentos, posição fetal, o indivíduo enterrado era colocado na mesma posição que o feto no ventre da mãe. Outra característica interessante e bastante peculiar dos índios da gruta do Limoeiro é a utilização de ocre vermelho sobre o cadáver.

Através da radiometria obtida pelo carbono 14, comprovou-se que se tratava de fósseis de 4,5 mil anos a.C.. Esses fósseis têm traços idênticos aos encontrados em Gironda, de 7,5 mil anos a.C.. Encontra-se na entrada da gruta também, pedras que apresentam áreas polidas, utilizadas ao longo do tempo pelos habitantes do local para alisamento de instrumentos utilizados por esses grupos, como machados, pontas de flechas e lanças.

Esses mesmos grupos que habitavam boa parte do sul do Estado, há milênios, são os que antecedem geneticamente os índios puris-coroados que se encontravam notadamente no Vale do Itapemirim e na região montanhosa dos municípios de Castelo, Conceição de Castelo, Muniz Freire, Iúna, Alegre, Guaçuí e toda a Serra do Caparaó.

Além da Gruta do Limoeiro, o professor Celso Perota também desenvolveu escavações na Comunidade de Estrela do Norte, em Castelo, uma região de vales com abundância no passado de peixes e animais para caça, local de uma antiga aldeia de puris-coroados que datam de mais ou menos 1200, 300 anos antes da chegada dos portugueses ao Brasil.

Neste vale encontrou-se e ainda é possível encontrar cacos de cerâmica, que era a tecnologia básica desses povos, utilizadas para guardar alimentos e água, recipientes dos mais diversos tipos. Quando houve a construção da Igreja local é que veio à tona toda essa riqueza arqueológicas, que além de restos de cerâmica, também, colares de dentes de animais, como o de onça, troféu do caçador que havia abatido aquela onça, como também algumas pontas de flechas danificadas pelo uso, outras não, encontravam-se ainda intactas.

Outro local de pesquisas arqueológicas em Castelo, que também serviu da habitação de tribos puris-coroadas, a mais de 1.000 anos atrás, foi no Vale da Sombra da Tarde, nome bastante sugestivo, dado em função da presença de uma grande pedra que se torna obstáculo à luz do sol, no vale, a partir das duas horas da tarde. Próximo à pedra, na encosta da montanha, os puris-coroados fizeram os enterramentos de seus mortos.

Como na Gruta do Limoeiro, neste vale também, os cadáveres eram enterrados na posição fletida, sendo que nestes foram encontrados junto ao corpo destes indivíduos, alguns pertences como machado de pedra polida, conchas que serviriam para a alimentação do morto, principalmente os estropoqueiros, uma lesma terrestre bastante apreciada pelos nativos.

Os puris-coroados foram os habitantes que os padres jesuítas encontraram em suas incursões no interior da Capitania do Espírito Santo e que os aldearam em missões tanto com fins religiosos quanto, posteriormente para o trabalho de mineração.

Todos esses achados arqueológicos se encontram em local apropriado que em Castelo se organize um espaço adequado para que eles possam voltar e serem utilizados para o estudo e o turismo na região.

 

 

 

 

II – CONTEXTO EUROPEU À ÉPOCA DAS GRANDES DESOBERTAS

 

Para se entender a presença dos europeus na América, dos portugueses, mais especificamente, no Brasil, é necessário entender o ambiente em que os europeus viviam na época das grades navegações.

Os séculos XIV e XV foram marcados por profundas crises, principalmente econômicas, o que levará os europeus à necessidade de encontrar caminhos para a superação de seus problemas. Encontrar novas terras de onde pudessem extrair metais preciosos, tão necessários ao mercantilismo que vigorava na época para o fortalecimento político e econômico das recém-criadas monarquias europeias, era uma forma de se resolver a situação vigente, além de ser também a saída para fugir da concorrência e do protecionismo que mito dificultavam o comércio entre países europeus. Todos queriam suas balanças comerciais favoráveis. Por isso, evitar a saída de matéria-prima e a exportação de produtos já manufaturados era o lema da época.

Como então resolver este impasse? Obviamente impondo o Pacto Colonial e o monopólio comercia. Assim, a colônia seria responsável pela complementação da economia da metrópole. Mas o que produzir nessas colônias? Matéria-prima, produtos tropicais, mercadorias de alto valor econômico no mercado europeu?

E foi nesse ambiente que partiram as caravelas portuguesas em 1500, compondo a maior frota jamais vista na época. O objetivo dessa expedição não era somente confirmar a existência de novas terras, mas também tomas posse das mesmas que já haviam sido determinadas a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494, porém, um projeto para ser desenvolvido somente após a descoberta do caminho para as Índias Orientais, o que ocorreu em 1498 com Vasco da Gama. Agora bastava a Portugal somente vir tomar posse de sua terra.

Chegar ao Brasil não significou colonizá-lo. Ser uma colônia era obedecer a objetivos bem definidos: ser uma fonte geradora de lucros e ser uma fonte de complementos à economia da metrópole. E o tínhamos nesse momento para suprir esses objetivos? Nada, pois pau-brasil era muito pouco, tanto que foi arrendado a Fernando de Noronha.

O monopólio do comércio com as Índias Orientais era um negócio muito mais rentável, e desviar nesse momento não seria inteligente.

E assim ficamos: Brasil a ver portugueses que iam e vinham carregando caravelas e mais caravelas da madeira tintória. E lá se foram basicamente trinta anos da nossa história, período conhecido como Pré-Colonial.

Na terceira década do século XVI, Portugal sentiu necessidade de vir colonizar sua terrinha. No aspecto político, para garantir sua posse sobre a terra, e no aspecto econômico, as Índias já não representavam o que já haviam representado um dia para os portugueses. Mas, surge aí um impasse, pois colonizar requer que a colônia seja fonte de lucros, o que levou então os portugueses a introduzirem aqui um produto alheio à nossa terra até então: a cana-de-açúcar, produto valiosíssimo no comércio europeu. O sistema de Plantation (monocultura, latifúndio, mão-de-obra escrava) seria implantado para maximizar os lucro. Isso tudo para ser comercializado no mercado europeu, gerando muitas divisas aos portugueses.

O Espírito Santo viveu de perto essa história com a montagem de vários engenhos, claro que não tão rentáveis quando os de Pernambuco, “menina dos olhos de Portugal”, nessa época.

No século XVI, habitado pelas tribos puris-coroados, Castelo, que é o objetivo de nossa pesquisa, ficou alheio ao que acontecia no litoral.

 

“De fato, a colonização por meio da agricultura tropical, como a inauguração pioneiramente os portugueses, aparece como a solução através da qual se tornou possível valorizar economicamente as terras descobertas, e dessa forma garantir-lhes a posse (pelo povoamento).”

NOVAIS, F. O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial. In.: MOTTA, I. O., 1969, p.48.

 

Mas nosso Castelo entra em cena no século XVII, quando os padres jesuítas aqui estiveram e fundaram as missões. Mas, por que não no litoral como as outras; Reritiba, por exemplo?

É para esta e para tantas outras perguntas que começaremos a traçar algumas respostas, remontando assim a história de nossa cidade.

III- DISCUTINDO O INÍCIO DO POVOAMENTO EM CASTELO

 

O nome de Castelo está associado a poder, luxo e riqueza, e foi justamente em busca da riqueza mineral que se iniciou o povoamento da região do Castelo. Foi a sede do ouro, que movia toda a Europa Mercantilista, que fez surdir o povoamento de Montes Castello, no início do século XVII, por volta de 1625. Nunca é demais lembrar a importância do ouro do período do Mercantilismo, pois era a partir dele que se media a riqueza das nações. Sendo assim, todo o processo de colonização tinha como objetivo principal a obtenção de ouro e prata para o enriquecimento das metrópoles. E foi justamente a partir deste necessidade que Castelo surge no cenário do mundo colonial.

Partindo da premissa de que a busca pelo metal precioso levou à formação do povoamento de Castelo, cabe-nos então esclarecer o início desse processo de exploração. As poucas pessoas que se preocuparam com esse assunto não são unânimes em determinar o início dos trabalhos de garimpagem no rio Castelo e em seus afluentes. Sintetizemos, pois, as duas versões existentes a respeito deste assunto: a de Alberto Lamego, endossada por Tristão de Alencar Araripe, e a do Major Gomes Neto, que se ocuparam do início dos trabalhos nas minas do Castello.

Segundo Tristão de Alencar Araripe, um dos pioneiros pesquisadores da história de Castelo, Pedro Bueno Cacunda partiu de Taubaté em 1705 em busca de ouro no interior de Minas Gerais, provavelmente em Ouro Preto e Mariana. Daí vai para os sertões de Cataguases, onde fica sabendo da existência de ouro mais próximo da costa. De posse dessa informação, ele desce e o rio Doce e chega ao interior do Espírito Santo, onde se encontra com Domingos Luiz Cabral que afirma existir cascalho de ouro abundante no rio Manhuaçu. Encorajado por essas notícias, Pedro Bueno Cacunda se desloca para a região das serras do Castello, onde encontra ouro nos ribeirões, iniciando assim o povoamento no lugar. Dessa forma, Araripe acreditava que o início dos trabalhos de mineração e o consequente povoamento de Castelo tiveram início no século XVIII, ou seja, a partir de 1705.

Em sua obra “A Terra Goytacá”, o renomado pesquisador da história de Campos, Alberto Lamego, afirma que:

 

“Nada mais precisamos adiantar para provar que Pedro Bueno Cacunda foi o descobridor das minas do Castello e fundador dos primeiros arraiais ali formados com os habitantes de Minas e Bahia”.

LAMEGO, Alberto. “A Terra Goytacá”. Livro 2, p.302.

 

Nesta mesma obra, o escritor campista rechaça de forma contundente a hipótese de Gomes Neto, professor do Aldeamento Imperial Afonsino de 1848 a 1852, a respeito do início do povoamento das minas do Castello. E para nos mostrar que os trabalhos de mineração e povoamento das minas do Castello foram mesmo iniciadas por Bueno Cacunda, Lamego cita os roteiros de viagem e requerimento enviados à Coroa por Cacunda, e que também foram apreciados pelo Conselho Ultra-Marino. Lamego baseia-se também nas cartas dos Governadores da Bahia, Ouvidor Geral do Rio de Janeiro e Espírito Santo, da Câmara de São Salvador, além das informações da Casa da Moeda e, por último, nos decretos expedidos sobre o assunto.

Gomes Neto não compartilha da hipótese defendida por Lamego e Araripe, e afirma que os trabalhos de mineração e povoamento da região das minas do Castello são bem anteriores à chegada de Pedro Bueno Cacunda. Segundo Gomes Neto, os referidos trabalhos foram iniciados pelos jesuítas ainda no século XVI. Tal historiador afirma que:

 

“O descobrimento de ouro na região de Castelo foi pouco posterior a 1551, data em que os jesuítas se estabeleceram na região de Reritiba, hoje Anchieta. Foram esses missionários, auxiliados pelos fiéis e pelos índios, que lavraram com intensidade e quase clandestinamente as minas da Barra do Castelo, do Caxixe, do Ribeirão e do Arraial Velho, até que os índios Aimorés, desavendo-se com os padres e colonos, obrigaram-nos a se retirar do seu território.”

Tirado de um artigo: “A Colonização do Município de Castelo” de Tristão de Alencar Araripe, Revista Cultural – UFES, Vitória, 1(2); 32-47, 1979.

 

Outra hipótese que se encontra no Dicionário Geográfico do Espírito Santo é a de que os trabalhos de mineração iniciaram em 1723, em um afluente norte do rio Itapemirim, chamado Castelo. Mas, vários documentos constatam a presença de Pedro Bueno Cacunda bem ates disso na região das minas do Castello.

Essa polêmica histórica entre Lamego e Araripe contra Gomes Neto sobre o início do trabalho de mineração e povoamento das minas do Castelo e a provável mineração realizada pelos jesuítas (Inacianos) tem como pano de fundo o julgamento histórico do papel desempenhado pelos jesuítas no Espírito Santo. Goes Neto busca criticar esse trabalho afirmando que eles se desviaram de sua função de catequizar os indígenas para enriquecer, explorando ouro e trabalho escravo dos índios. Por outro lado, Lamego e Araripe buscam enaltecer este mesmo trabalho, afirmando que os jesuítas nunca exploraram ouro nas minas do Castelo, e ao contrário, foi através das mãos destes pioneiros (os jesuítas), principalemente Anchieta, que os gentios e a capitania do Espírito Santo tiveram contato co a luz da civilização.

Não acreditamos em trabalhos neutros, ou seja, quando alguém se propõe a escrever alguma coisa, fatalmente estará inclinado à defesa ou à condenação de uma ideia. Não queremos aqui ressuscitar a polêmica entre os prós e os contras jesuítas, mas sim, escrever a história do munícipio de Castelo. A respeito do trabalho dos jesuítas no Espírito Santo, veja algumas palavras do Padre Anchieta, contidas no livro “O Povo Brasileiro” do antropólogo Darci Ribeiro, onde o jesuíta louva o que considera heroicos feitos do bravo Governador Mem de Sá, frente aos índios.

 

“Quem poderá contar os gestos heroicos do chefe à frente dos soldados, na imensa mata: cento e sessenta as aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pela chama devoradora, assolado os campos, com suas riquezas, passado tudo ao fio da espada.”

RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, p.50.

 

Como vivos, os jesuítas pareciam estar imbuídos de um espírito militar para realizarem seus trabalhos aqui nos tópicos. Desta forma, ficamos à vontade, sem correr o risco de manchar a história dos jesuítas no Espírito Santo, para elaborar a hipótese que mais se aproxima da verdade (já que a falta de documentos dificilmente nos possibilitará a construção de uma verdade sólida e inquestionável) a respeito do início dos trabalhos e povoamento das minas do Castelo.

Iniciamos nossa definição negando a afirmação de Tristão de Alencar Araripe, pois não foi Pedro Bueno Cacunda o pioneiro no povoamento da região das minas de Castelo. Quem iniciou este povoamento foram os jesuítas, que em 1625 construíram uma igreja dedicada à Nossa Senhora do Amparo, na localidade denominada Montes Castello. Esta igreja, em 1710, foi elevada à categoria de Paróquia. Neste período, o Vale do Itapemirim, que posteriormente se tornou o pólo de concentração populacional do Sul do Estado, ainda não tinha uma paróquia. A Igreja dos Montes Castello foi construída posteriormente a de Orobó, dedicada à Nossa Senhora do Bom Sucesso, que é de 1580, e a de Muribeca, que é de 1581 e dedicada à Nossa Senhora das Neves. É importante lembrar que ambas foram construídas por Anchieta.

Todas essas informações constam no livro Tombo de Itapemirim, que se encontra na Matriz Nossa Senhora do Amparo. Por falta de documento, Araripe se equivocou ao afirmar que o início do povoamento foi com Pedro Bueno Cacunda, pois quando este aqui chegou, os jesuítas provavelmente ainda se encontravam estabelecidos. Já Alberto Lamego faz menção em seu livro, sem citar data, de uma população cristã distribuídas em quatro arraiais na região do Castelo, mas posteriormente, nesta mesma obra, afirma que foi Pedro Bueno o primeiro a explorar as minas do Castelo e também a formar os primeiros povoados. Desta forma, ele cai no erro assim como Araripe, já que as missões jesuíticas dos Montes do Castello, em 1625, contavam com cerca de 3.000 habitantes, uma população considerável para a época.

Descartamos, através de documentos a que tivemos acesso, a hipótese de povoação da região do Castelo defendida por Alberto Lamego e Tristão de Alencar Araripe. Agora partiremos para a questão mais polêmica, que diz respeito ao início dos trabalhos de mineração.

Gomes Neto defende a ideia de que o descobrimento e a consequente exploração do ouro, realizados pelos jesuítas, foi pouco posterior a 1551, e até a presente data, não temos documento para provar tal afirmação, e dificilmente teremos, o que nos faz buscar a proximidade da verdade histórica através de indícios.

A busca pelo ouro foi o motor de todo o início da colonização europeias. Sendo assim, é bem provável que aqui chegando, os jesuítas procurassem informações com os índios a respeito da existência do cobiçado e precioso metal. E este, por não darem o mesmo valor a tal metal, provavelmente, os conduziram até ele. Ou será que foi uma simples coincidência os jesuítas terem fundado uma importante missão, com cerca de 3.000 indígenas bem na região das minas do Castelo, sem saber da existência do ouro que havia ali? Temos duas hipóteses para acreditar: a primeira é a coincidência das ladeias da missão serem justamente no local de existência posterior de ouro. A segunda é a de que os jesuítas realmente exploraram o outro na região das minas de Castelo. Fica aqui, então, um desafio para futuras pesquisas sobre o tema.

São fortes os indícios de que realmente os jesuítas exploraram o precioso metal por aqui. Podemos enumerar alguns motivos para justificar tal afirmação. Antes da presença do europeu, os índios eram os senhores de toda região; eles tinham um profundo conhecimento da mesma, amparados em milhares de anos de sua história. Esse conhecimento se estendia aos minerais e aos locais de sua existência. Sendo os jesuítas possuidores de uma relação mais próxima com os índios, as chances deles em relação aos Bandeirantes Paulistas de descobrirem ouro em Castelo foram muito maiores. Outro fator que contribui para fortalecer os indícios de que realmente os jesuítas exploraram ouro aqui, foram os motivos que trouxeram Pedro Bueno Cacunda até a região das minas do Castelo. Alberto Lamego fala sobre uma conversa de Bueno com Domingos Luiz Cabral que motivou o Bandeirante Paulista, pois se tratava de existência de ouro no rio Mayguassú (hoje Manhuaçu). Motivado por Cabral, Pedro Bueno iniciou uma viagem que termina nas serras do Castelo. Essa informações são um tanto quanto vagas, o que abre espaço para os indícios de que Pedro Bueno já sabia da existência das minas. Se já circulava a notícia a ponto dos Bandeirantes ficarem sabendo, é porque já existia mineração. Logo, esta era executada pelos jesuítas, ou a mando dos mesmos, visto que eram eles que controlavam a região.

Se houve mineração por parte dos jesuítas, esta, com certeza, foi de caráter clandestino, pois não era esse o motivo oficial da presença deles no novo mundo. Os jesuítas atravessaram o Atlântico para salvar, catequizar almas para o Senhor Jesus Cristo através da conversão dos infiéis indígenas, e não para garimpar riquezas mundanas. O provável desvio de função dos jesuítas foi clandestino, logo se torna uma tarefa inútil buscar documentos que provem tal ação. Outra razão da clandestinidade era evitar uma corrida nas regiões das minas, motivada pela cobiça dos aventureiros. O poder dos jesuítas neste período era muito grande, podendo a Ordem ser considerada um Estado dentro do próprio Estado. E, com tanto poder, os Inacianos não iriam querer entregar nem o Estado, nem a aventureiros, as riquezas que porventura descobrissem.

Em 1734, Pedro Bueno envia uma carta ao Rei pedindo auxílio em seus trabalhos de mineração no Castelo. O Rei atende ao pedido ordenando que o Vice-Rei, Conde de Sabugosa, o ajudasse. Mas este, a pedido dos jesuítas, não cumpriu as ordens reais, frustrando assim, as aspirações do Bandeirante Paulista. Esta intervenção pode claramente ser interpretada como uma vingança dos jesuítas por terem perdido o domínio sobre as minas do Castelo.

Não é possível darmos definições totalmente precisas a respeito do assunto, mas mesmo assim, buscaremos sintetizar o que defendemos. Existem provas documentais (Livro Tombo da Paróquia de Itapemirim) de que o início do povoamento na região das serras do Castelo foi o começo do século XVII. Este povoamento pode ter sido iniciado antes, já que em 1625, as Missões de Montes Castello já contavam, inclusive com igreja. Existem fortes indícios de que os trabalhos de mineração tenham iniciado ao mesmo tempo do povoamento. Devido às fortes evidências, passaremos a considerar, de agora em diante, que realmente houve exploração de ouro por parte dos jesuítas na região das minas do Castelo.

 

 

 

 

 

 

 

 

IV – OS GRUPOS HUMANOS QUE FIZERAM A NOSSA HISTÓRIA