Castelo da Pré História ao Início do Século XX

             Pesquisa e idealização:
André Dell”Orto Casagrande e Maria Helena Mion Barbieiro 

             Fotos:
Alex Stúdio, Castelo – ES 

             Revisão:
1ª Edição: Sônia Frezza Peisino Corrêa
2ª Edição: Jorgina de Vargas Barbosa 

             Editoração e projeto gráfico:
Gráfica Impresso – (28) 3542-0721
Departamento de Criação
Maykon Zanetti Pereira 

             Impressão:
Gráfica Impresso – (28) 3542-0721 

             Capa:
Gráfica Impresso – (28) 3542-0721
Departamento de Criação
Maykon Zanetti Pereira
sobre fotos de arquivo. 

 APRESENTAÇÃO

          Dez anos se passaram do lançamento da 1ª edição, muita coisa aconteceu neste período, o mundo mudou, o Brasil mudou, nosso Município também mudou. Temos a impressão que o mundo anda mais rápido, todos tem pressa, a velocidade e a rapidez com que as coisas acontecem são uma das principais características destes tempos.

          A História é uma ciência que busca nos proporcionar uma clara, completa e profunda compreensão do presente. Sendo assim esperamos poder contribuir com nosso trabalho aos que buscam respostas às grandes questões do nosso dia a dia.

          Optamos em nosso segundo trabalho por uma edição ampliada e revisada e não uma obra nova, isolada, mas sim poder em um só livro reunir todas as informações históricas que apuramos e as conclusões   eu chegamos a respeito da História de Castelo.

          A parte que revisamos, da edição anterior está relacionada a discussão do início do povoamento. Anexamos documentos transcritos do Livro Tombo de Itapemirim, que fala sobre as Missões Jesuíticas dos Montes do Castello, a partir de 1625. Com isso buscamos fundamentar, dar lastro documental, à nossa teoria sobre o início do povoamento de nossa região.

          O que acrescentamos à segunda edição é o início da urbanização, e suas implicações, pois até então todo o cenário que permeava a História de Castelo era o rural. Buscamos identificar o início desta nova realidade para os castelenses do final do século XIX. Como surgiu o núcleo urbano que nós conhecemos hoje? E estas e outras perguntas que buscaremos responder na parte que acrescentamos.

         Como afirmamos no início, muita coisa mudou em 10 anos, até a nossa maneira de compreendermos algumas coisas. Então, convidamos você, que já leu o nosso livro, a relê-lo, agora revisado e ampliado. Com certeza, você tem algumas concepções diferentes das que tinha há 10 anos atrás. Você ainda não leu, terá a oportunidade de fazê-lo agora e conhecer um pouco sobre nossas origens.

         Desejamos a todos, uma boa leitura.

                                                Os autores

PREFÁCIO

Ao Receber a “boneca” do livro de André Dell’Orto Casagrande e Maria Helena Mion Barbieiro, sobre a história de Castelo, com o pedido de fazer o prefácio, desanimei. Apesar de conhecer a inteligência de André e de Maria Helena, pensei que iria enfrentar mais uma História contando onde o Imperador fez xixi, onde o cavalo do marquês empacou ou a rua onde a duquesa quebrou o salto do sapato. Para minha surprese – agradável surpresa – enfrento um livro diferente e novo, bem pesquisado e bem escrito, em estilo simples e moderno, uma agradável surpresa – repito – brotada e florescente na cidade de Castelo.

O pior é que eu não sei fazer prefácio, sei, e muito pelas pontas, fazer uns poemas, uns romances e trechos da Histórias da minha cidade, Campos dos Goytacazes, mas prefácio a coisa muda.

Pois bem, os dois jovens historiadores começam pelo começo, como se diz, trazendo a História da bela cidade de Castelo, no Espírito Santo, mostrando como os europeus chegaram ao Brasil, como alcançaram o interior capixaba, como descobriram florestas, rios, bichos, soldados, riquezas minerais, montanhas ouriças e colonizadores terríveis, que escravizaram índios e mataram de fome e chicote os escravos negros. Tudo isso contaram os dois moços, num estilo simples e bonito, enxuto, de tal forma que se chega ao final do livro rapidamente e com pena, querendo ler mais sobre Castelo.

Osório Peixoto Silva

André e Maria Helena pesquisaram antigas igrejas, visitaram sítios históricos, levaram velhos livros, andaram por toda a parte em busca de dados da História de Castelo e aí está este livro lindo, cheio de fatos, documentos e lances que atravessarão os tempos e permanecerão mostrando os primórdios de Castelo.

Graça Maria Moreira

I – OS PRIMEIROS HABITANTES DE NOSSA TERRA

1.1  – Pré-história em Castelo

De acordo com as pesquisas arqueológicas mais recentes, já sabemos que o mais antigo homem da América viveu em solo brasileiro há cerca de 60 mil anos, nas cavernas, onde hoje se encontra o Parque Nacional da Capivara, no Piauí, administrado por órgãos como o Ibama e a Fundham (Fundação do Homem Americano). Foi possível a comprovação de sua idade através do carbono 14.

Haviam encontrado no sul do continente inúmeros artefatos de pedra, de ossos, pedaços de cristais de quartzo e de conchas, que datavam de mais de 8.000 mil anos a.C. em várias regiões como Minas Gerais e no Piauí.

Quanto mais a pesquisa se intensificava, mais remoto no tempo os achados surgem.

No Espírito Sando, as pesquisas arqueológicas são liberadas pelo Museu Histórico Nacional e pela Universidade Federal do Espírito Santo e muito já se conseguiu detectar sobre a presença de grupos pré-históricos como os mais antigos, que datam de 7,5 mil anos atrás, na região de Gironda, através de artefatos e fósseis encontrados ao longo do Rio Fruteiras em Cachoeiro de Itapemirim.

O ambiente em que esses homens pré-históricos viviam era bastante hostil, clima frio, vegetação rasteira, era o Período Terciário, 35 milhões a 7 mil anos a.C., tinham que disputar com animais gigantes que também buscavam sua sobrevivência, como as preguiças que chegavam até a 6 metros.

Se compararmos ao primitivo, vemos uma desproporção muito grande. Esses grupos humanos aqui encontrados apresentavam a altura entre 1,65 e 1,70 metros, crânio arredondado e pouco pelo no corpo, andava nu e vivia da caça, da pesca e da coleta de frutos, raízes, o que lhe dava a condição de nômade. Viviam em grupos de mais ou menos 60 pessoas, não havia propriedade privada, sendo uma sociedade igualitária. Usavam como instrumento de trabalho a pedra lascada e depois polida, além de osso que também ajudava na manutenção da sua sobrevivência. Eram hábeis caçadores e não desenvolviam nenhuma cultura a não ser a língua em comum, provavelmente de origem asiática.

E é essas mesmas características e condições que viveram vários grupos pré-históricos no sul do Espírito Santo.

Aqui encontramos 2 formações geológicas, o complexo cristalino terciário que forma o Forno Grande e toda a Serra Geral Brasileira e na região de Castelo e Cachoeiro aparece a formação de afloramento calcário onde se encontram várias grutas que serviam de habitações pré-históricas a grupos que aqui viveram.

Grande parte dessa história, em Castelo, tem como ponto de referência as pesquisas científicas arqueológicas do professor Celso Perota, uma das maiores autoridades em cultura indígena, que vêm desde muitos anos num trabalho incansável de busca por fósseis e vestígios de passagem desses grupos humanos no Espírito Santo e em especial, em Castelo.

O professor Celso Perota esteve em Castelo, em 1969 e com suas observações e pesquisas, encontrou na Gruta do Limoeiro indícios as presença desses grupos. Ali começou os primeiros trabalhos pela descoberta de vestígios e fósseis. Em 1979 foram feitas escavações arqueológicas na área da entrada da gruta sendo recolhidos uma série de elementos arqueológicos, como, pontas de flechas, colares e a mais ou menos 60 a 80 cm do solo, oito sepultamentos em posição fletida, tradição indígena comum nos sepultamentos, posição fetal, o indivíduo enterrado era colocado na mesma posição que o feto no ventre da mãe. Outra característica interessante e bastante peculiar dos índios da gruta do Limoeiro é a utilização de ocre vermelho sobre o cadáver.

Através da radiometria obtida pelo carbono 14, comprovou-se que se tratava de fósseis de 4,5 mil anos a.C.. Esses fósseis têm traços idênticos aos encontrados em Gironda, de 7,5 mil anos a.C.. Encontra-se na entrada da gruta também, pedras que apresentam áreas polidas, utilizadas ao longo do tempo pelos habitantes do local para alisamento de instrumentos utilizados por esses grupos, como machados, pontas de flechas e lanças.

Esses mesmos grupos que habitavam boa parte do sul do Estado, há milênios, são os que antecedem geneticamente os índios puris-coroados que se encontravam notadamente no Vale do Itapemirim e na região montanhosa dos municípios de Castelo, Conceição de Castelo, Muniz Freire, Iúna, Alegre, Guaçuí e toda a Serra do Caparaó.

Além da Gruta do Limoeiro, o professor Celso Perota também desenvolveu escavações na Comunidade de Estrela do Norte, em Castelo, uma região de vales com abundância no passado de peixes e animais para caça, local de uma antiga aldeia de puris-coroados que datam de mais ou menos 1200, 300 anos antes da chegada dos portugueses ao Brasil.

Neste vale encontrou-se e ainda é possível encontrar cacos de cerâmica, que era a tecnologia básica desses povos, utilizadas para guardar alimentos e água, recipientes dos mais diversos tipos. Quando houve a construção da Igreja local é que veio à tona toda essa riqueza arqueológicas, que além de restos de cerâmica, também, colares de dentes de animais, como o de onça, troféu do caçador que havia abatido aquela onça, como também algumas pontas de flechas danificadas pelo uso, outras não, encontravam-se ainda intactas.

Outro local de pesquisas arqueológicas em Castelo, que também serviu da habitação de tribos puris-coroadas, a mais de 1.000 anos atrás, foi no Vale da Sombra da Tarde, nome bastante sugestivo, dado em função da presença de uma grande pedra que se torna obstáculo à luz do sol, no vale, a partir das duas horas da tarde. Próximo à pedra, na encosta da montanha, os puris-coroados fizeram os enterramentos de seus mortos.

Como na Gruta do Limoeiro, neste vale também, os cadáveres eram enterrados na posição fletida, sendo que nestes foram encontrados junto ao corpo destes indivíduos, alguns pertences como machado de pedra polida, conchas que serviriam para a alimentação do morto, principalmente os estropoqueiros, uma lesma terrestre bastante apreciada pelos nativos.

Os puris-coroados foram os habitantes que os padres jesuítas encontraram em suas incursões no interior da Capitania do Espírito Santo e que os aldearam em missões tanto com fins religiosos quanto, posteriormente para o trabalho de mineração.

Todos esses achados arqueológicos se encontram em local apropriado que em Castelo se organize um espaço adequado para que eles possam voltar e serem utilizados para o estudo e o turismo na região.

Gruta do Limoeiro – Castelo – ES

Detalhamento dos Salões Internos da Gruta.

Confeccionado pela extinta ENCATUR em novembro de 1978

 

 

II – CONTEXTO EUROPEU À ÉPOCA DAS GRANDES DESOBERTAS

Para se entender a presença dos europeus na América, dos portugueses, mais especificamente, no Brasil, é necessário entender o ambiente em que os europeus viviam na época das grades navegações.

Os séculos XIV e XV foram marcados por profundas crises, principalmente econômicas, o que levará os europeus à necessidade de encontrar caminhos para a superação de seus problemas. Encontrar novas terras de onde pudessem extrair metais preciosos, tão necessários ao mercantilismo que vigorava na época para o fortalecimento político e econômico das recém-criadas monarquias europeias, era uma forma de se resolver a situação vigente, além de ser também a saída para fugir da concorrência e do protecionismo que mito dificultavam o comércio entre países europeus. Todos queriam suas balanças comerciais favoráveis. Por isso, evitar a saída de matéria-prima e a exportação de produtos já manufaturados era o lema da época.

Como então resolver este impasse? Obviamente impondo o Pacto Colonial e o monopólio comercia. Assim, a colônia seria responsável pela complementação da economia da metrópole. Mas o que produzir nessas colônias? Matéria-prima, produtos tropicais, mercadorias de alto valor econômico no mercado europeu?

E foi nesse ambiente que partiram as caravelas portuguesas em 1500, compondo a maior frota jamais vista na época. O objetivo dessa expedição não era somente confirmar a existência de novas terras, mas também tomas posse das mesmas que já haviam sido determinadas a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494, porém, um projeto para ser desenvolvido somente após a descoberta do caminho para as Índias Orientais, o que ocorreu em 1498 com Vasco da Gama. Agora bastava a Portugal somente vir tomar posse de sua terra.

Chegar ao Brasil não significou colonizá-lo. Ser uma colônia era obedecer a objetivos bem definidos: ser uma fonte geradora de lucros e ser uma fonte de complementos à economia da metrópole. E o tínhamos nesse momento para suprir esses objetivos? Nada, pois pau-brasil era muito pouco, tanto que foi arrendado a Fernando de Noronha.

O monopólio do comércio com as Índias Orientais era um negócio muito mais rentável, e desviar nesse momento não seria inteligente.

E assim ficamos: Brasil a ver portugueses que iam e vinham carregando caravelas e mais caravelas da madeira tintória. E lá se foram basicamente trinta anos da nossa história, período conhecido como Pré-Colonial.

Na terceira década do século XVI, Portugal sentiu necessidade de vir colonizar sua terrinha. No aspecto político, para garantir sua posse sobre a terra, e no aspecto econômico, as Índias já não representavam o que já haviam representado um dia para os portugueses. Mas, surge aí um impasse, pois colonizar requer que a colônia seja fonte de lucros, o que levou então os portugueses a introduzirem aqui um produto alheio à nossa terra até então: a cana-de-açúcar, produto valiosíssimo no comércio europeu. O sistema de Plantation (monocultura, latifúndio, mão-de-obra escrava) seria implantado para maximizar os lucro. Isso tudo para ser comercializado no mercado europeu, gerando muitas divisas aos portugueses.

O Espírito Santo viveu de perto essa história com a montagem de vários engenhos, claro que não tão rentáveis quando os de Pernambuco, “menina dos olhos de Portugal”, nessa época.

No século XVI, habitado pelas tribos puris-coroados, Castelo, que é o objetivo de nossa pesquisa, ficou alheio ao que acontecia no litoral.

“De fato, a colonização por meio da agricultura tropical, como a inauguração pioneiramente os portugueses, aparece como a solução através da qual se tornou possível valorizar economicamente as terras descobertas, e dessa forma garantir-lhes a posse (pelo povoamento).”

NOVAIS, F. O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial.In.: MOTTA, I. O., 1969, p.48.

Mas nosso Castelo entra em cena no século XVII, quando os padres jesuítas aqui estiveram e fundaram as missões. Mas, por que não no litoral como as outras; Reritiba, por exemplo?

É para esta e para tantas outras perguntas que começaremos a traçar algumas respostas, remontando assim a história de nossa cidade.

III- DISCUTINDO O INÍCIO DO POVOAMENTO EM CASTELO

O nome de Castelo está associado a poder, luxo e riqueza, e foi justamente em busca da riqueza mineral que se iniciou o povoamento da região do Castelo. Foi a sede do ouro, que movia toda a Europa Mercantilista, que fez surdir o povoamento de Montes Castello, no início do século XVII, por volta de 1625. Nunca é demais lembrar a importância do ouro do período do Mercantilismo, pois era a partir dele que se media a riqueza das nações. Sendo assim, todo o processo de colonização tinha como objetivo principal a obtenção de ouro e prata para o enriquecimento das metrópoles. E foi justamente a partir deste necessidade que Castelo surge no cenário do mundo colonial.

Partindo da premissa de que a busca pelo metal precioso levou à formação do povoamento de Castelo, cabe-nos então esclarecer o início desse processo de exploração. As poucas pessoas que se preocuparam com esse assunto não são unânimes em determinar o início dos trabalhos de garimpagem no rio Castelo e em seus afluentes. Sintetizemos, pois, as duas versões existentes a respeito deste assunto: a de Alberto Lamego, endossada por Tristão de Alencar Araripe, e a do Major Gomes Neto, que se ocuparam do início dos trabalhos nas minas do Castello.

Segundo Tristão de Alencar Araripe, um dos pioneiros pesquisadores da história de Castelo, Pedro Bueno Cacunda partiu de Taubaté em 1705 em busca de ouro no interior de Minas Gerais, provavelmente em Ouro Preto e Mariana. Daí vai para os sertões de Cataguases, onde fica sabendo da existência de ouro mais próximo da costa. De posse dessa informação, ele desce e o rio Doce e chega ao interior do Espírito Santo, onde se encontra com Domingos Luiz Cabral que afirma existir cascalho de ouro abundante no rio Manhuaçu. Encorajado por essas notícias, Pedro Bueno Cacunda se desloca para a região das serras do Castello, onde encontra ouro nos ribeirões, iniciando assim o povoamento no lugar. Dessa forma, Araripe acreditava que o início dos trabalhos de mineração e o consequente povoamento de Castelo tiveram início no século XVIII, ou seja, a partir de 1705.

Em sua obra “A Terra Goytacá”, o renomado pesquisador da história de Campos, Alberto Lamego, afirma que:

“Nada mais precisamos adiantar para provar que Pedro Bueno Cacunda foi o descobridor das minas do Castello e fundador dos primeiros arraiais ali formados com os habitantes de Minas e Bahia”.

LAMEGO, Alberto. “A Terra Goytacá”. Livro 2, p.302.

Nesta mesma obra, o escritor campista rechaça de forma contundente a hipótese de Gomes Neto, professor do Aldeamento Imperial Afonsino de 1848 a 1852, a respeito do início do povoamento das minas do Castello. E para nos mostrar que os trabalhos de mineração e povoamento das minas do Castello foram mesmo iniciadas por Bueno Cacunda, Lamego cita os roteiros de viagem e requerimento enviados à Coroa por Cacunda, e que também foram apreciados pelo Conselho Ultra-Marino. Lamego baseia-se também nas cartas dos Governadores da Bahia, Ouvidor Geral do Rio de Janeiro e Espírito Santo, da Câmara de São Salvador, além das informações da Casa da Moeda e, por último, nos decretos expedidos sobre o assunto.

Gomes Neto não compartilha da hipótese defendida por Lamego e Araripe, e afirma que os trabalhos de mineração e povoamento da região das minas do Castello são bem anteriores à chegada de Pedro Bueno Cacunda. Segundo Gomes Neto, os referidos trabalhos foram iniciados pelos jesuítas ainda no século XVI. Tal historiador afirma que:

“O descobrimento de ouro na região de Castelo foi pouco posterior a 1551, data em que os jesuítas se estabeleceram na região de Reritiba, hoje Anchieta. Foram esses missionários, auxiliados pelos fiéis e pelos índios, que lavraram com intensidade e quase clandestinamente as minas da Barra do Castelo, do Caxixe, do Ribeirão e do Arraial Velho, até que os índios Aimorés, desavendo-se com os padres e colonos, obrigaram-nos a se retirar do seu território.”

Tirado de um artigo: “A Colonização do Município de Castelo” de Tristão de Alencar Araripe, Revista Cultural – UFES, Vitória, 1(2); 32-47, 1979.

Outra hipótese que se encontra no Dicionário Geográfico do Espírito Santo é a de que os trabalhos de mineração iniciaram em 1723, em um afluente norte do rio Itapemirim, chamado Castelo. Mas, vários documentos constatam a presença de Pedro Bueno Cacunda bem ates disso na região das minas do Castello.

Essa polêmica histórica entre Lamego e Araripe contra Gomes Neto sobre o início do trabalho de mineração e povoamento das minas do Castelo e a provável mineração realizada pelos jesuítas (Inacianos) tem como pano de fundo o julgamento histórico do papel desempenhado pelos jesuítas no Espírito Santo. Goes Neto busca criticar esse trabalho afirmando que eles se desviaram de sua função de catequizar os indígenas para enriquecer, explorando ouro e trabalho escravo dos índios. Por outro lado, Lamego e Araripe buscam enaltecer este mesmo trabalho, afirmando que os jesuítas nunca exploraram ouro nas minas do Castelo, e ao contrário, foi através das mãos destes pioneiros (os jesuítas), principalemente Anchieta, que os gentios e a capitania do Espírito Santo tiveram contato co a luz da civilização.

Não acreditamos em trabalhos neutros, ou seja, quando alguém se propõe a escrever alguma coisa, fatalmente estará inclinado à defesa ou à condenação de uma ideia. Não queremos aqui ressuscitar a polêmica entre os prós e os contras jesuítas, mas sim, escrever a história do munícipio de Castelo. A respeito do trabalho dos jesuítas no Espírito Santo, veja algumas palavras do Padre Anchieta, contidas no livro “O Povo Brasileiro” do antropólogo Darci Ribeiro, onde o jesuíta louva o que considera heroicos feitos do bravo Governador Mem de Sá, frente aos índios.

“Quem poderá contar os gestos heroicos do chefe à frente dos soldados, na imensa mata: cento e sessenta as aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pela chama devoradora, assolado os campos, com suas riquezas, passado tudo ao fio da espada.”

RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, p.50.

Como vivos, os jesuítas pareciam estar imbuídos de um espírito militar para realizarem seus trabalhos aqui nos tópicos. Desta forma, ficamos à vontade, sem correr o risco de manchar a história dos jesuítas no Espírito Santo, para elaborar a hipótese que mais se aproxima da verdade (já que a falta de documentos dificilmente nos possibilitará a construção de uma verdade sólida e inquestionável) a respeito do início dos trabalhos e povoamento das minas do Castelo.

Iniciamos nossa definição negando a afirmação de Tristão de Alencar Araripe, pois não foi Pedro Bueno Cacunda o pioneiro no povoamento da região das minas de Castelo. Quem iniciou este povoamento foram os jesuítas, que em 1625 construíram uma igreja dedicada à Nossa Senhora do Amparo, na localidade denominada Montes Castello. Esta igreja, em 1710, foi elevada à categoria de Paróquia. Neste período, o Vale do Itapemirim, que posteriormente se tornou o pólo de concentração populacional do Sul do Estado, ainda não tinha uma paróquia. A Igreja dos Montes Castello foi construída posteriormente a de Orobó, dedicada à Nossa Senhora do Bom Sucesso, que é de 1580, e a de Muribeca, que é de 1581 e dedicada à Nossa Senhora das Neves. É importante lembrar que ambas foram construídas por Anchieta.

Todas essas informações constam no livro Tombo de Itapemirim, que se encontra na Matriz Nossa Senhora do Amparo. Por falta de documento, Araripe se equivocou ao afirmar que o início do povoamento foi com Pedro Bueno Cacunda, pois quando este aqui chegou, os jesuítas provavelmente ainda se encontravam estabelecidos. Já Alberto Lamego faz menção em seu livro, sem citar data, de uma população cristã distribuídas em quatro arraiais na região do Castelo, mas posteriormente, nesta mesma obra, afirma que foi Pedro Bueno o primeiro a explorar as minas do Castelo e também a formar os primeiros povoados. Desta forma, ele cai no erro assim como Araripe, já que as missões jesuíticas dos Montes do Castello, em 1625, contavam com cerca de 3.000 habitantes, uma população considerável para a época.

Reprodução de partes do Livro Tombo de Itapemirim que se refere às Missões dos Montes do Castello em 1965

05

Descartamos,através de documentos a que tivemos acesso, a hipótese de povoação da região do Castelo defendida por Alberto Lamego e Tristão de Alencar Araripe. Agora partiremos para a questão mais polêmica, que diz respeito ao início dos trabalhos de mineração.

Gomes Neto defende a ideia de que o descobrimento e a consequente exploração do ouro, realizados pelos jesuítas, foi pouco posterior a 1551, e até a presente data, não temos documento para provar tal afirmação, e dificilmente teremos, o que nos faz buscar a proximidade da verdade histórica através de indícios.

A busca pelo ouro foi o motor de todo o início da colonização europeias. Sendo assim, é bem provável que aqui chegando, os jesuítas procurassem informações com os índios a respeito da existência do cobiçado e precioso metal. E este, por não darem o mesmo valor a tal metal, provavelmente, os conduziram até ele. Ou será que foi uma simples coincidência os jesuítas terem fundado uma importante missão, com cerca de 3.000 indígenas bem na região das minas do Castelo, sem saber da existência do ouro que havia ali? Temos duas hipóteses para acreditar: a primeira é a coincidência das ladeias da missão serem justamente no local de existência posterior de ouro. A segunda é a de que os jesuítas realmente exploraram o outro na região das minas de Castelo. Fica aqui, então, um desafio para futuras pesquisas sobre o tema.

São fortes os indícios de que realmente os jesuítas exploraram o precioso metal por aqui. Podemos enumerar alguns motivos para justificar tal afirmação. Antes da presença do europeu, os índios eram os senhores de toda região; eles tinham um profundo conhecimento da mesma, amparados em milhares de anos de sua história. Esse conhecimento se estendia aos minerais e aos locais de sua existência. Sendo os jesuítas possuidores de uma relação mais próxima com os índios, as chances deles em relação aos Bandeirantes Paulistas de descobrirem ouro em Castelo foram muito maiores. Outro fator que contribui para fortalecer os indícios de que realmente os jesuítas exploraram ouro aqui, foram os motivos que trouxeram Pedro Bueno Cacunda até a região das minas do Castelo. Alberto Lamego fala sobre uma conversa de Bueno com Domingos Luiz Cabral que motivou o Bandeirante Paulista, pois se tratava de existência de ouro no rio Mayguassú (hoje Manhuaçu). Motivado por Cabral, Pedro Bueno iniciou uma viagem que termina nas serras do Castelo. Essa informações são um tanto quanto vagas, o que abre espaço para os indícios de que Pedro Bueno já sabia da existência das minas. Se já circulava a notícia a ponto dos Bandeirantes ficarem sabendo, é porque já existia mineração. Logo, esta era executada pelos jesuítas, ou a mando dos mesmos, visto que eram eles que controlavam a região.

Se houve mineração por parte dos jesuítas, esta, com certeza, foi de caráter clandestino, pois não era esse o motivo oficial da presença deles no novo mundo. Os jesuítas atravessaram o Atlântico para salvar, catequizar almas para o Senhor Jesus Cristo através da conversão dos infiéis indígenas, e não para garimpar riquezas mundanas. O provável desvio de função dos jesuítas foi clandestino, logo se torna uma tarefa inútil buscar documentos que provem tal ação. Outra razão da clandestinidade era evitar uma corrida nas regiões das minas, motivada pela cobiça dos aventureiros. O poder dos jesuítas neste período era muito grande, podendo a Ordem ser considerada um Estado dentro do próprio Estado. E, com tanto poder, os Inacianos não iriam querer entregar nem o Estado, nem a aventureiros, as riquezas que porventura descobrissem.

Em 1734, Pedro Bueno envia uma carta ao Rei pedindo auxílio em seus trabalhos de mineração no Castelo. O Rei atende ao pedido ordenando que o Vice-Rei, Conde de Sabugosa, o ajudasse. Mas este, a pedido dos jesuítas, não cumpriu as ordens reais, frustrando assim, as aspirações do Bandeirante Paulista. Esta intervenção pode claramente ser interpretada como uma vingança dos jesuítas por terem perdido o domínio sobre as minas do Castelo.

Não é possível darmos definições totalmente precisas a respeito do assunto, mas mesmo assim, buscaremos sintetizar o que defendemos. Existem provas documentais (Livro Tombo da Paróquia de Itapemirim) de que o início do povoamento na região das serras do Castelo foi o começo do século XVII. Este povoamento pode ter sido iniciado antes, já que em 1625, as Missões de Montes Castello já contavam, inclusive com igreja. Existem fortes indícios de que os trabalhos de mineração tenham iniciado ao mesmo tempo do povoamento. Devido às fortes evidências, passaremos a considerar, de agora em diante, que realmente houve exploração de ouro por parte dos jesuítas na região das minas do Castelo.

IV – OS GRUPOS HUMANOS QUE FIZERAM A NOSSA HISTÓRIA

        4.1 – Por que os índios brigavam?

A exploração do ouro nas serras do Castelo nunca foi uma atividade pacífica e tranquila. Inúmeras lutas foram travadas entre europeus e índios, onde os últimos quase sempre levaram vantagem. Esta afirmação torna a história de Castelo um tanto quanto atípica, pois o que aconteceu em grande parte do Brasil foi justamente o contrário, ou seja, os índios foram amplamente dominados pelos portugueses, tiveram sua cultura destruídas, além de terem sido usados como escravos por eles. É bem verdade que esta supremacia foi efêmera, pois não tardou a extinção dos puris-coroados em nossa região. Contudo, não podemos deixar de registrar as históricas vitórias dos puris-coroados contra invasores de suas terras que buscavam delas tão somente a exploração das riquezas. Não foram poucas as vezes que os exploradores de ouro tiveram que voltar para o litoral devido ao ataque dos índios. Porém, o mais contundente se deu em 1765 quando os habitantes fugiram com todos os paramentos da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. O sino, a pia e a própria imagem de Nossa Senhora que foram levados durante a fuga, acreditamos que se encontram, ainda hoje, na paróquia de Itapemirim.

Ao dedicarmos uma parte de nossos estudos ao índio na história de Castelo, enfrentamos uma certa dificuldades, pois tudo que encontramos sobre o tema é a versão do vitorioso, do conquistador, mas faremos o possível para resgatar a imagem do índio na história de Castelo de forma mais justa. Nossa história não começa quando os primeiros jesuítas aqui chegaram para fundaram suas missões nas serras do Castelo, mas sim milhares de anos antes, quando os primeiros índios por aqui começaram a circular e a viver livremente. Desta forma é muito mais que natural e compreensível a ação agressiva dos índios contra os portugueses, pois estavam a defender milhares de anos de histórias vividas nesta região.

É bem provável que os brancos tenham chegado às minas do Castelo trazidos pelos próprios índios, pois os milhares de anos aqui vividos lhes proporcionaram um inigualável conhecimento da região, sabendo inclusive onde se encontrava o ouro, o que não podiam imaginar os aborígenos, e o que desencadearia a presença do branco em seu meio, ameaçando inclusive a sua própria sobrevivência, ameaça essa que se confirmou posteriormente. Mais do que uma batalha por pequenos pedaços de terra, ou pequenos desentendimentos entre índios e europeus por motivos fúteis, a luta entre ambos representava a disputa entre dois mundos completamente opostos que não poderiam coexistir fraternalmente, pois um sucumbiria, e outro resistiria. Sendo assim, prevaleceu o europeu, e consequentemente o indígena sucumbiu. É justamente nestes dois mundos antagônicos que iremos mergulhar a partir de agora.

O que os índios achavam dos brancos? O que os brancos achavam dos índios? É em busca destas respostas que nos remeteremos aos opostos mundos que fazem parte da história de Castelo. Não dispomos de muito material específico sobre o assunto, então nos basearemos em fontes mais genéricas, mas estaremos nos esforçando para que partindo do geral, possamos atingir o específico. Mergulhemos no universo do índio:

“Para os índios que ali estavam nus na praia, o mundo era um luxo de se viver, tão rico de aves, de peixes, de raízes, de frutas, de fibras, de sementes, que podia dar a alegria de caçar, de pescar, de plantar e colher a quanta gente aqui viesse ter na sua concepção sábia e singela, a vida era dádiva de deuses bons, que lhes doaram esplêndidos corpos, bons de andar, de correr, de nadar, de dançar, de lutar… bocas magníficas de degustar comidas doces e amargo, salgados e azedos, tirando de cada qual o gozo que podia dar. E, sobretudo, sexos opostos e complementares, feitos para a alegria e o amor”.

RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, os.44/45.

Ninguém melhor do que Darci Ribeiro para falar a respeito do índio brasileiro, a quem dedicou boa parte de sua vida. Através desta pequena visão extraída da obra acima citada, podemos ter a exta dimensão de como vivia e pensava o índio. Apesar da abordagem ser dirigida ao índio da costa, podemos entendê-la aos índios do sertão. Não se trata aqui de santificar a imagem do índio, mas apenas a verdade histórica e estabelecer um tratamento, mesmo que tardio, mas justo aos aborígenos.

Os índios não entendiam por que os brancos estavam afoitos e se prendiam tanto com fazimentos para acumular e guardar, pois para os índios o prazeroso não era juntar para si, mas sim realizar o intercâmbio, a troca, a permuta.

A visão do branco sobre o índio está descrita na grande maioria dos livros de história que tratam deste período. Para o branco, o índio era preguiçoso, pois trabalhava como ele e não tinha preocupação em acumular; era também um herege, pois adorava a vários deuses e não apenas ao seu, que era verdadeiro; era promíscuo, pois andava nu e tinha várias mulheres.

“Os recém-chegados eram gente prática, experimentada, sofrida, cientes de suas culpas oriundas do pecado de Adão, predisposto à virtude com clara noção dos horrores do pecado e da perdição eterna”.

RIBEIRO, Darci. “O Povo Brasileiro”, p.45.

Os homens que aqui chegaram vindo da Europa, e também os bandeirantes e aventureiros que exploravam ouro nas minas do Castelo, tinham como objetivo principal o enriquecimento rápido; algumas tinham o objetivo de voltar, no caso dos portugueses, pera a Europa onde poderiam viver confortavelmente o resto de suas vidas.

Dois mundos, que além de diferentes eram opostos, só poderiam gerar o que aconteceu: conflitos sangrentos. No caso específico das minas de Castelo, os índios tiveram muito mais sorte do que os do litoral, pois esses foram logo massacrados ou catequizados, (um ou outro para eles fazia pouca diferença, já que a catequese do branco europeu os limitava no que tinham de melhor que era uma alma livre, feliz e pura de culpa e de pecados). Já os nossos índios obtiveram alguns êxitos iniciais na defesa de sua existência. Isso graças ao conhecimento de como viver e combater nas selvas, e também ao pouco número e despreparo dos bandeirantes e aventureiros do ouro. Quando lutavam e expulsavam os brancos das serras do ouro para o litoral, os índios não estavam atrapalhando o progresso da região, mas sim tratando de manter vivo seu mundo (coisa que seria impossível com a presença dos exploradores do ouro) e sua própria sobrevivência. Caso os índios não tivessem apenas obtido pequenas vitórias, mas sim a vitória total, que seria a imposição aos exploradores da época do seu tipo de vida, hoje, provavelmente, teríamos um mundo mais fraterno socialmente e, com certeza, mais autêntico.

Não queremos emitir juízo de valor quanto a verdadeira intenção dos jesuítas na catequese dos índios brasileiros, mas não podemos negar seu efeito devastador sobre os mesmos, que lhes tirava a identidade, a beleza e os enchiam de pecado e de culpa. Os jesuítas estavam imbuídos do espírito semelhante ao dos cruzados europeus que partiam rumo à terra santa, no século XI, para combater e converter o inimigo infiel.

As perspectivas dos índios eram mesmo sombrias, pois se escapassem das missões teriam grandes chances de serem escravizados pelos homens brancos, fossem eles capitães do mato, bandeirantes ou donos do engenho. Se para os jesuítas, os índios deviam ser catequizados e evangelizados, mesmo que à força para viverem como operários nas missões, para os desbravadores, eles não passavam de mulas de cargas, e eram mais semelhantes a bicho do que a gente. Em carta endereçada a El Rei, datada de 15 de julho de 1694, Domingos Jorge Velho diz que “em vão trabalha quem os quer fazer anjos, antes de os fazer homens”.

Este impasse sobre o que fazer com o índio ante os jesuítas e os homens responsáveis pelo “progresso” da colônia gerou muitas brigas mediante a esta trágica situação dos índios em quase toda a colônia. Podemos afirmar que os índios das serras do Castelo foram extremamente valentes e corajosos, pois por várias vezes, conseguiram expulsar tanto os jesuítas, como os mineradores de ouro.

Podemos concluir finalmente que não se tratavam de bons ou ruins, de trabalhadores ou preguiçosos, de selvagens ou civilizações, de cristãos ou hereges, mas sim de dois mundos opostos que se enfrentavam, cada qual com seus valores e estilos de vida diferentes, ode acabou prevalecendo o europeu. Foi uma batalha desigual, pois os europeus estavam em estágio de desenvolvimento, diferente dos índios em vários aspectos, inclusive no de guerrear; sem falar na guerra bacteriológica, onde uma simples gripe matava toda uma aldeia. Isto explica então as lutas em que cada um defendia seus interesses: os brancos, a busca por riqueza e glória através do ouro; os índios, a continuação da vida em harmonia com a natureza e consigo mesmo, além de uma sociedade muito mais justa, por ser bem menos estratificada.

Agora podemos responder a pergunta título “Por que os índios brigavam?”. A luta era pela sobrevivência, que por sinal, não aconteceu. O massacre dos índios foi imprescindível para o surgimento do mundo tal como ele é hoje. A destruição de sua forma harmônica de vida, não só nas minas do Castelo, mas em todo continente americano, foi um pré-requisito ao parto da sociedade castelense, espírito-santense, brasileira, enfim, no capitalismo mercantil.

Para sabermos com maiores informações sobre os índios que habitavam este região, hoje município de Castelo, seria necessário e importante das continuidade às pesquisas arqueológicas e antropológicas, o que com certeza, elucidaria muito sobre a vida dos nosso primeiros habitantes. Não sendo isso possível a curto e médio prazo, neste livro não teremos essas detalhadas informações. Mas, quem sabe outras pessoas tenham oportunidade para realizarem as pesquisas de forma mais aprofundada para conhecermos um pouco mais sobre nossa história. Certamente seremos nós quem ganhará com isso.

Buscamos, então, retratar aqui as púnicas informações que temos sobre nossos índios, transcritas do livro Tombo de Itapemirim. Lembramos que esta era a visão dos jesuítas que aqui chegaram para a catequese dos nativos.

As missões de Montes Castello foram muito perseguidas pelos “bugres botocudos, assim chamados por causa de seus adereços, madeiras enfiadas nos lábios e orelhas”. (Livro Tombo)

Por mais que os jesuítas tentaram, não conseguiram a mansidão destes nativos, que por várias vezes se revoltaram contra a presença de brancos na região, que viram obrigados a fugir para o litoral.

“Os índios habitavam uma grade gruta de vários compartimentos espaçosos onde colocavam os cadáveres untados por tal tinta que os tornavam ressequidos os esqueletos e também uma fonte cujas águas novas se conseguiam as curas.

Quando um bugre adoecia, aplicava-se todas os remédios, e, mesmo assim, a doença permanecia, era conduzido à fonte onde o pajé era consultado, e todo um ritual de cura acontecia. Se o pajé tiver bom agouro, o doente era lavado com a água da fonte, mas, se o agouro não era favorável ao mesmo ou se por ocasião do conduzido enfermo aparecesse no caminho o “anhangá” – espírito mal de adoecia à noite – e o “manhagiguará” – espírito mal que andava de dia nas grunhas, o enfermo era sem piedade atirado e abandonado à beira da fonte e ali perecia”.

Livro Tombo: Itapemirim 

        4.2 – Os Jesuítas

O Brasil é um país onde a religião da maioria da população é a Católica Apostólica Romana. Como explicar, não só o catolicismo, mas o fervor religioso que move o povo brasileiro espalhado pelo país afora? Afinal, antes dos portugueses, nossa extensa terra era habitada pelos nativos, que eram adeptos de uma religião que nada se assemelha à dos europeus; sua cultura era totalmente diferente daquela que havia chagado à sua terra. O que aconteceu então? Como nos tornamos cristãos?

A explicação fica simples se analisada no contexto da chagada dos europeus ao Novo Mundo e dos portugueses ao Brasil.

a Igreja Católica absoluta desde o período medieval, Senhora das Almas e do poderes políticos e econômicos, não se encontrará nesta mesma posição no período em que as Grandes Navegações acontecem no final da Idade Média. Agora, os interesses e as necessidades são outras. A expansão marítima vi acontecer atendendo a uma conciliação de interesses dos mais diferentes grupos: burguesia, nobreza, Estado e Igreja.

A presença da Igreja, desde que por aqui chegaram os primeiros portugueses, ainda na Esquadra de Pedro Álvares Cabral, quando o escrivão Pero Vaz de Caminha escreve ao rei sugerindo que:

“O melhor fruto que nela (a nossa terra) se pode fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”

Aqui entra em cena a Cia de Jesus, idealizada e criada por Inácio de Loyola em 1537. A Ordem seguia um estilo de vida semelhante ao existente no exército, eram chamado, inclusive, de “Soldados de Cristo”.

“A Companhia de Jesus era uma força vigilante, equiparada com uma couraça “celestial” e asas “espirituais” para a conquista das Almas perdidas para o protestantismo e para a conquista das Almas perdidas para o paganismo. A Companhia, categórica na obediência que devia ser geral ao Papa, foi a força internacional da Igreja e desenvolveu uma ação preponderante na extensão do domínio católico, na instrução da mocidade católica e em atrair a atenção e a devoção dos reis e nobres, tão ativa no campo de batalha europeu da fé católica como na Missões do Norte da África, da Ásia e da América”.

GREEN, Ano: 201

Os jesuítas vieram para difundir a fé católica. Num momento em que a Reforma Protestante trouxe a cisão da Igreja no Continente Europeu, era preciso resgatar a importância de outrora, para isso a Igreja criou a Contra-Reforma Católica. Segundo o professo Celso Perota, os jesuítas vieram para fundar um República Jesuítica.

Sem dúvida, os jesuítas tiveram uma participação muito ativa na história dos países europeus à época da Contra-Reforma Católica em que a Igreja buscava, a qualquer custo, evitar a expansão do movimento reformista protestante que arrebatou da Igreja Católica muito mais que fiéis, arrebatou poder e importância política, e paralelamente, poder econômico.

A presença dos jesuítas no Brasil atendeu, portanto, às necessidades da Santa Sé, que na Europa, em função dos prejuízos religiosos, políticos e econômicos que a Reforma Protestante acarretara no Continente, via necessária a vinda para a Terra recém-descoberta. E a Igreja precisava não só deter a expansão da Reforma, mas também se reestruturar. As novas terras poderiam suprir estas necessidades.

Vir para o Brasil, dentro do contexto da Contra-Reforma, seria a saída para impedir que os efeitos arrasadores da Reforma chegassem às Terras recém-descobertas, para aumentar o número de fiéis católicos e para a reorganização político-econômica.

Os jesuítas estiveram presentes desde o início da colonização. Sua chegada aqui data do ano de 1549, ano de fundação do 1º Governo Geral do Brasil, a cargo de Tomé de Souza, fundando missões e desenvolvendo o seu trabalho de catequese, ao que avaliamos, acarretou um processo de aculturação profunda nos grupos nativos que aqui viviam. A catequese se incumbiu de formar novos católicos. O Deus que conta é o dos europeus, o caminho da Santidade só é conhecido por eles, colonizadores desse mundo bárbaro.

Nas missões, o empenho não era somente com a educação dos nativos. Sua organização era bastante original. Os padres iam entrando nas aldeias procurando respeitar a organização tribal e, pouco a pouco, introduzindo os princípios religiosos e os interesses econômicos.

O excedente de produção, que crescia com o estímulo dos sacerdotes e em função de seus interesses, era apropriado pelas Ordens religiosas, que muitas vezes, realizavam com o “mundo civilizado” um lucrativo comércio.

A ideologia, contudo, já havia sido incorporada à formação social do Brasil. Assim como a Igreja precisava dos jesuítas aqui, o Estado também os queria, uma vez que com seu trabalho junto aos nativos, havia uma facilitação da penetração portuguesa na nova terra na formação do Império Colonizador. Para este propósito, os jesuítas foram essenciais, sua importância foi de serem peças-chaves no contexto da expansão marítima e da colonização do Brasil. Seu poder de influência junto ao poder político foi tão grade, que era a eles que recorriam muitas autoridades coloniais, quando havia necessidade, e não ao Governador Geral, e muito menos, ao Rei em Portugal.

Desde muito cedo, houve o contato dos padres também com os bandeirantes, em expedições que levaram ao interior do território, a possibilidade de metais preciosos. Mas, para que os jesuítas os acompanhavam? Atendiam, na realidade aos interesses dos dois grupos: – dos bandeirantes, que viam na presença dos padres em suas expedições uma forma dos nativos aceitarem a aproximação “dessas gentes”, o que não necessariamente contribuiu para facilitar o encontro do metal por parte dos nativos, que não o valorizaram. Se o resultado não foi logo positivo, com certeza, estas expedições muito contribuíram para o conhecimento das terras do interior, da fauna, da flora, permitindo a formação de novas expedições por aqueles caminhos; – como os dos jesuítas, que buscavam almas para serem catequizados e viam nessas buscas dos metais uma maneira de gente branca vir para o Brasil, que sabemos, no início da colonização era muito escassa. Essa vinda acarretaria a facilitação da cristianização junto aos nativos.

É claro que também havia possibilidade de encontrar metais. No livro de Serafim Leite, sobre a História da Cia de Jesus no Brasil, o autor afirma que os padres tinham o único interesse de achar almas e em algumas citações até coloca que eles não iam às expedições com o objetivo de explorarem metais preciosos, sendo, porém, tentados a isso.

Parece-nos muita coincidência que em Castelo, no séc. XVII, tenha havido a presença dos padres fundando missões, onde exatamente se explorou ouro mais tarde, no início do sec. XVIII.

Fica aqui também uma dúvida a respeito de sua montagem mais para o interior, nas Serras do Castelo, quando aqui no Espírito Santo observarmos que as missões foram montadas no litoral, como as de Reritiba, Orobó, Muribeca, conforme nos mostra o mapa ao abaixo.

4.2.1 – Os Jesuítas no Espírito Santo

Os primeiros padres jesuítas (Padre Afonso Brás e o irmão Simão Gonçalves) chegaram ao Espírito Santo em 1551 e já começaram a construção do Colégio Santiago, hoje Palácio Anchieta, sede do Governo do Estado.

Os objetivos aqui eram os mesmos da Cia de Jesus no Brasil: através da catequese do índio e da educação aos filhos dos colonos, aumentar o número de fiéis católicos devido às perdas em função da Reforma Protestante, objetivo primordial. Sendo assim, os padres iam ao interior do território capixaba e de lá traziam os grupos indígenas paras as missões como as de Goarapari, Reritigba, Reis Magos, Aldeia Nova, Caobá. Serafim Leite escreveu na história da Cia. De Jesus no Brasil:

“algumas vezes, iam os padres em pessoa ao sertão buscar os índios ou os parentes dos que já viviam no ES, e iam a mais de cem léguas por caminhos ásperos…”, assim “(…) as aldeias do Es formaram-se quase sempre a seguir a alguma entrada ao sertão.”

LEITE, Serafim Teixeira. “História da Companhia de Jesus no Brasil”. Lisboa, 1938 – Tômo VI – Cap. I, II, III

É certo que além das obras de catequese, os padres desenvolveram também atividades de organização e de produção econômica, como nas aldeias de Itapoca, provavelmente em Cariacica, especializada na produção de farinha e de produção de gado. A de Araçatiba, em Viana, onde havia a produção de cana-de-açúcar; a de Carapina, que se destinava à produção de legumes.

Nas aldeias jesuíticas, além da produção religiosa e econômica, havia também a arquitetônica, com construções de várias igrejas e residências, como a de Nossa Senhora de Assunção, em Anchieta; a de Nossa Senhora da Conceição, em Guarapari; a de Nossa Senhora da Ajuda, em Araçatiba – Viana; Igreja de São Riago em Vitória.

Algumas dessas construções ainda resistem ao tempo, como a Igreja de Nossa Senhora das Neves, em Presidente Kennedy, construída em 1650, com a ajuda dos índios botocudos, e também a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída no séc. XVI pelo poder de José de Anchieta, com a ajuda dos índios tupis-guaranis, utilizando como material: pedras, blocos de recife, óleo de baleia e argamassa de cal e mariscos. Em Guarapari, encontra-se a Igreja de Nossa Senhora da Consolação, construída por Anchieta. Sua fachada é revestida de conchas que remodelam as paredes. Em Viana, a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, datada em 1570. Em Carapina, a Igreja de São João de Carapina. E, em Nova Almeida, na Serra, Igreja e residência Reis Magos, erguida entre 1569 e 1589.

Em vários pontos do nosso litoral, em algumas cidades e construções, é notória a importância dos jesuítas em nosso Estado.

No livro “Tombo de Itapemirim” (Comarca Eclesiástica de Itapemirim), encontramos a descrição precisa das missões organizadas pelos jesuítas em Castelo, na pag. 03 do referido livro, registrou-se com minúcias a presença dos padres em nosso município.

A construção de uma Igreja dedicada à Nossa Senhora do Amparo, em novembro de 1625, nos Monte do Castello, sugere-se, inclusive, que eles chegaram aqui antes desta data, mas não temos documentos para comprovar o ano exato de sua chegada.

Os jesuítas construíram aqui em nossa região a chamada “Missões de Montes Castello”, que compreendia cinco missões:

1-    Montes do Castello. (sede) – “Ignora-se sua posição por não haver vestígio dela; ficava, porém, muito próxima à do Caxixe.

2-    Caxixe ou Caxixa – à margem do rio Caxixe – um dos afluentes do Castello.

3-    Ribeirão – Á margem do Ribeirão – um dos afluentes do Castello.

4-    Barra do rio Castelo – à foz do rio Castello – afluente do Itapemirim.

5-    Salgado – À margem do Ribeirão – Salgado afluente do rio Itapemirim.”

4.3 – Os Mineradores

Em nosso trabalho buscamos a veracidade e a autenticidade da história de Castelo, ou seja, queremos analisá-la dos mais diversos ângulos possível. Sendo, assim, procuremos a seguir, traçar o perfil do homem branco, seja ele europeu, ou mesmo brasileiro, que aqui se encontrava no início da mineração nas serras do Castelo. Trataremos inicialmente dos europeus, mais precisamente dos portugueses, e posteriormente, de seus descendentes nascidos aqui, a quem Darci Ribeiro chama de “brasilíndios”.

O povoamento, propriamente dito, da Capitania do Espírito Santo aconteceu na primeira metade do séc. XVI em 23/05/1535, com a criação das Capitanias Hereditárias e consequente vinda de religiosos ( os jesuítas) e povoadores, que em sua maioria, eram degredados.

Como sabemos, os registros mais antigos da presença de europeus na região que compreende Castelo hoje, são de 1625, quando se fundaram três missões jesuíticas. Tais missões eram formadas basicamente por Missionários Inacianos oriundos da Europa, índios, e também por uma população de colonos. Mas, num primeiro momento, trataremos do europeu.

Ao se lançar no mar bravio e ainda pouco conhecido, sujeito a todos os ricos e problemas, o aventureiro europeu tinha um claro objetivo: o enriquecimento através do descobrimento de metais preciosos. O português vinha de uma sociedade estratificada, que já havia rompido com o mundo feudal europeu e se constituído em Estado Nacional. Toda essa estratificação, tipicamente europeia, contrastava drasticamente com o modo de vida tribal dos trópicos. As ações dos portugueses haviam sido previamente planejadas, e o seu centro de decisão estava milhares de quilômetros de distância, mais precisamente em Lisboa; tal situação dava-lhes uma grande autonomia no Novo Mundo.

Os pilares básicos que sustentavam a ação dos portugueses no Novo Mundo foram o Estado Nacional Mercantilista, com seu poder bélico em busca de lucro, e a Guerra-Santa, promovida pela Igreja contra o índio infiel. Os europeus se outorgaram a missão de expandir a cristandade, missão essa que não era apenas dos missionários jesuítas, mas de todos que atravessavam o Atlântico rumo ao Novo Mundo. Desta forma se legitimava as mais bizarras atitudes dos portugueses aqui, pois tudo era com o propósito de conseguir mais almas para o Senhor.

O outro pilar era de caráter mais econômico e racial do que o Estado Nacional. Neste período, a Igreja concentrava em suas mãos o poder espiritual e também o temporal. Desta forma, seu poderio pairava acima dos Estados Nacionais Mercantilista. Tanto Portugal, como a Espanha, a mesmo a França, eram submissos ao poder temporal ao Vaticano. Uma questão que incomodava Portugal, e consequentemente seus aventureiros que aqui estiveram, era a disputa por colônias entre Estados Nacionais Europeus, que viviam em eterno conflito na busca por riquezas que as colônias pudessem oferecer. Rechaçar, as por eles consideradas invasões dos estrangeiros, era também ema das funções dos aventureiros.

Os portugueses que atravessaram o Atlântico e chegaram até aqui também estavam eufóricos e orgulhos com os avanços tecnológicos da sociedade europeia, como o barco à vela, a bússola, o leme fixo e o astrolábio. Essas invenções representavam a tecnologia de ponta da época, e estava a serviço do mercantilismo, e foi através delas que eles conseguiram cruzar o Atlântico.

De forma bastante sucinta, este era o universo destes corajosos aventureiros e gananciosos europeus que abandonaram a certeza de sua terra natal para se lançarem rumo ao desconhecido através do mar, alimentando um febril sonho de riqueza. Mas nem só de homens provenientes do Velho Continente foi que se empreendeu a extração de ouro em nossa terras, pois os aqui nascidos tiveram uma participação direta, e são eles nossos objetos de estudo a seguir.

Dentro da divisão de trabalho da época, a pior parte, com certeza, cabia aos “brasilíndios” – ou mestiços. É provável que se tenha usado também a mão-de-obra indígena. Quando delimitamos o início da mineração em Castelo, afirmamos ser provável que os jesuítas exploraram ouro aqui a partir de 1625 utilizando-se da mão-de-obra indígena.

Uma das características mais marcantes da colonização de exploração, como foi o nosso caso, é a não presença de mulheres dentre os exploradores. Tal características foi fundamente no processo de formação do povo brasileiro. Na ausência de mulheres portugueses, os homens brancos buscavam a satisfação de seus desejos sexuais com as índias, e destas relações surgiam os “brasilíndios” ou mestiços. Para muitos pesquisadores foi aí o início da formação do povo brasileiro. Os frutos destas inusitadas relações sofriam uma dupla rejeição de brancos e índios, forçando assim a criação de uma identidade nova e inédita. Os portugueses não os reconheciam como os filhos legítimos, aptos a dar continuidade à tradição ocidental europeia, que tanto primava pela filosofia e conhecimentos nos mais distintos campos, sejam eles da Física, da Matemática, da Astronomia ou de outros. Esses filhos ilegítimos não eram dignos de serem considerados europeus, já que seu ventre materno era impuro e selvagem.

Por outro lado, os índios também não os reconheciam como sendo membros de suas tribos, pois dentro da tradição indígena, a mulher ocupa um papel coadjuvante na reprodução, atuando como simples depositária de esperma. Para eles, o filho ou a filha é resultado da ação do pai. Assim sendo, os mestiços ou “brasilíndios” eram considerados estranhos. Enquanto dois mundos distintos e opostos se digladiavam para sobreviverem, um novo povo nascia, fruto da rejeição que sofria dos dois lados, e teve que criar, a duras penas, sua própria identidade. Essa inusitada situação chegou a despertar a preocupação dos jesuítas, que para tentar impedir a “promiscuidade” dos homens brancos com as índias, mandaram uma carta ao rei de Portugal solicitando o envio de mulheres brancas à colônia, mas tal pedido não obteve êxito.

Castelo teve pioneirismo na interiorização, foi um processo único em termos de fixação de população do Estado. Nossa minas presenciaram tal processo. Quanto à existência das primeiras missões jesuíticas, elas se formavam de índios (índias), jesuítas e colonos, que foram os ingredientes necessários para a formação inicial do povo brasileiro. Com a chegada das Bandeiras, já no século XVIII, por volta de 1705, com Pedro Bueno Cacunda, esse processo se acelerou devido ao aumento do contingente populacional, e também graças à origem as Bandeiras, que eram de São Paulo. Os Portugueses de Capitania de São Vicente foram os pioneiros na gestação dos “brasilíndios” ou mestiços devido à pobreza e ao isolamento de sua capitania, pois não havendo outra fonte de recurso econômico, eles recorreram às Bandeiras, que tinham como propósito, além da busca de metais preciosos, o aprisionamento, a escravidão e a comercialização dos indígenas. A presença dos “brasilíndios” era fundamental nessa campanhas, pois devido a sua nobreza e busca de autoafirmação, eles se tornaram o motor da conquista do interior do Brasil, participando ativamente das atividades de mineração e captura de índios. É importante destacar que a língua falada por índios, jesuítas, colonos europeus e “brasilíndios” era o tupi-guarani, que foi o meio de comunicação usado em toa colônia até meado do século XVIII.

De forma sintética, e não incluindo os índios que já circulavam nesta região há milhares de anos, podemos afirmar que os primeiros habitantes de Castelo foram os jesuítas provenientes da Europa, de onde traziam um rígido de moral e valores. E, através deste código, queriam julgar e condenar os índios, para aí sim catequizá-los a ferro e a fogo, e transformá-los em cristãos. Havia também poucos portugueses sonhadores que buscavam riqueza e glória na colônia para desfrutar na metrópole, mas a maioria da população era formada por “brasilíndios” ou mestiços, que sofriam uma dupla rejeição por parte dos brancos e índios, e que a partir da estranheza que causavam em ambos, criaram sua própria identidade. E foram justamente eles que efetuaram diretamente a lida com a mineração do ouro.

V- A EXPLORAÇÃO DO OURO EM CASTELO

5.1 – A Mineração em si

Nesta parte do livro trataremos da mineração propriamente dita e de seus desdobramentos em nosso município. O ouro descoberto em Castelo é, em sua maioria, o de aluvião, que se encontra nos leitos dos rios misturados em suas areias. Ele é arrecadado em pequenos fragmentos das rochas pela força das águas dos rios, é a medida que vai descendo o leito, transforma-se em pequenos grãos, que posteriormente viram pó. Este pó fica cada vez mais fino, na proporção da distância de seus veeiros iniciais. Os veeiros auríferos encontram-se disseminados nos granitos que constituem os maciços da Pedra Azul e Forno Grande. Portanto, nos rios que nascem nesta região pode se encontrar ouro.

As inúmeras cachoeiras que existem, principalmente no rio Caxixe, além de proporcionarem um exuberante espetáculo da natureza, facilitaram o trabalho de garimpagem do precioso metal. Apesar de poucas, existem algumas planícies onde o rio corre manso e aparentemente inofensivo, e é justamente nesses locais de água tranquilas que o ouro (em pequenos grãos ou pó), fica depositado no fundo do rio. Na localidade chamada Caxixe, hoje Fazenda Povoação, existe uma destas pequenas planícies, onde segundo Gomes Neto, foi o primeiro local de extração de ouro em Castelo. Em 1625 esta planície foi palco de uma das quatros missões jesuíticas em nosso cidade. Outro local com características geográficas semelhantes, é onde se localiza hoje a Fazenda do Centro; nos dois lugares o leito do rio foi alterado para facilitar o trabalho de garimpagem do ouro, na época da exploração.

Para proporcionar uma melhor compreensão do leitor, e até mesmo balizar estudos posteriores, decidimos dividir a mineração de Castelo em três fase ou períodos.

A primeira é a ais polêmica: segundo o Major Gomes Neto, teve início logo após a fundação de Rerigtiba (hoje Anchieta) 1565; ele ainda afirma que esta missão rinha por objetivo, além da catequese dos índios, proteger dos invasores as minas do Castelo. Apesar de um tanto quanto pertinente, não temos provas documentais a respeito da versão de Gomes Neto. Os documentos que encontramos falam a respeito da existência de missões jesuíticas aqui somente 100 anos depois, a partir de 1625.

A segunda fase ou período inicia-se em 1705, com a chegada do Bandeirante Pedro Bueno Cacunda. Ao que tudo indica, esta foi a fase mais próspera e que contou com a presença de um maior número de pessoas; finalizou-se com a expulsão dos exploradores efetuada pelos índios.

A terceira fase é a ais recente, e compreende a retomada dos trabalhos de mineração já no século XIX, no fim do período colonial e início do imperial. Os trabalhos foram reativados após um longo período de abandono, quando os botocudos reinaram soberanos.

Dedicaremos nosso trabalho a seguir à primeira fase da mineração tomando como base os escritos de Gomes Neto, pois apesar de seus relatos não terem respaldos documentais, algumas de suas afirmações estão de acordo com nossas fontes.

 

5.1.1 – Primeira Fase – séc XVII

Segundo Gomes Neto, logo após a fundação de Reritiba (1565), os missionários jesuítas subiram o rio Benevente à procura de ouro e de selvagens. Com a ajuda de índios catequizados, eles chegaram às minas do Castelo. Efetuada a descoberta, iniciaram um processo de fortificação e defesa das minas para evitar a presença dos farejadores de ouro, principalmente dos paulistas.

Ainda segundo Gomes Neto, os jesuítas fundaram pequenos arraiais para protegerem as minas contra os invasores; o primeiro a ser criado foi o Batatal, próximo às minas; depois o do Caxixe e o do Ribeirão do Meio. Eles permitiram também que o moradores destes povoados faiscassem ouro, para depois venderem aos próprios padres. Desta forma, os jesuítas transformaram os ingênuos habitantes e defensores de suas minas, pois em caso de invasão, os habitantes rechaçariam o inimigo. Tendo proteção em todas as barras dos rios que poderiam das acesso às minas, os jesuítas podiam exercer com tranquilidade sua clandestina função de mineradores. O ouro, resultado do trabalho da mineração dos jesuítas, ia diretamente para a sede da Ordem dos Inacianos na Europa.

De fato, as missões citadas por Gomes Neto existiram, para tanto existem provas documentais. A divergência acontece com elação à data, pois o que ele afirma ter sido realizado no século XVI, por volta de 1565, o documento descreve que foi no século posterior, ou seja, 1625. Tal divergência só pode ser esclarecida comum minucioso trabalho arqueológico nos locais onde teriam sido construídas as missões ou povoados. O que não podemos negar é que nesta primeira fase, direta ou indiretamente, os jesuítas exploraram ouro de forma clandestina, ou foi pura coincidência o fato de os bandeirante “descobrirem” ouro posteriormente nos locais onde existiam as missões jesuíticas?

Segundo o Livro Tombo de Itapemirim, as cinco aldeias que compunham as Missões de Montes Castello, estavam assim distribuídas: a primeira era a dos Montes Castello, e sua exata localização é desconhecida, pois não existem vestígios aparentes de suas ruínas. Sabe-se, portanto, que ficava próxima à do Caxixe. A outra aldeia era a do Caxixa ou Caxixe, que se localizava próximo à margem do rio Caxixe, um dos afluentes do Castelo, e sua localização é onde se encontra a Fazenda Povoação. A terceira é a do Ribeirão, localizada próximo à margem do Ribeirão, também um do afluentes de Castelo. Essa região é conhecida hoje como Planície da Prata, e compreende as localidade de Monte-Pio, Flores e Prata. A quarta aldeia é a da Barra do Rio Castelo, que se localizava na foz do rio Castelo, onde e hoje a localidade de Duas Barras. A quinta e última aldeia era a de Salgado, que ficava às margens do ribeirão do mesmo nome, que era afluente do rio Itapemirim.

A localização da Missões de Montes Castello no mapa, não são precisas, uma vez que, para tal afirmação serão necessárias pesquisas arqueológicas. As Missões de Barra do Rio Castello e Salgado não constam no mapa por estarem fora dos limites do atual município.

Nesta primeira fase foi construída pelos jesuítas a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, em 1625. Esta igreja foi elevada à categoria de Matriz, pois a região das minas do Castello foi transformada em Freguesia sob a proteção de Nossa Senhora do Amparo. Este fato ocorreu em 12 de novembro de 1710. Não se sabe com exatidão a localização da centenária Paróquia, seguramente uma das mais antigas do Sul do Estado, nem mesmo como era seu interior e seus aspectos externos. Tais revelações só poderão ser feitas a partir de u trabalho arqueológico de escavação. Este trabalho é de grande importância para a elucidação de muitas interrogações sobre a história, não só do município de Castelo, mas também do Estado do Espírito Santo e do próprio Brasil.

A Missão de Montes Castello, erguida em novembro de 1625, contava com 3.000 índios distribuídos nas cincos aldeias já citadas que compunham a missão. Os documentos se limitam à descrição da experiência da missão, bem como as aldeias a eles pertencentes. Em nenhum momento é vinculado o tipo de atividade econômica realizado, e nem se menciona a existência do poderoso metal no fundo dos rios. Com certeza, a exploração do ouro foi realizada de maneira clandestina pelos jesuítas, por três motivos. O primeiro é o fato da mineração não constar no rol de atividades previstas aos jesuítas no Novo Mundo, e ainda mais, quem procurava ouro era para se enriquecer, e o enriquecimento não era um meta a ser seguida por aqueles que outrora haviam dedicado suas vidas à construção do Reino Celeste, e não às coisas passageias e materiais deste mundo transitório. O segundo motivo que fazia com que os Inacianos agissem na clandestinidade era do de burlar as leis coloniais que previam uma grande carga tributária sobre a atividade de mineração. Certamente, se a extração não fosse de maneira clandestina, parte do resultado do trabalho pertenceria à Coroa Portuguesa. O terceiro motivo era o de evitar a invasão das Minas, principalmente por Bandeirantes, que como já sabemos, perambulavam pelos sertões à procura de índios e metais preciosos. Inclusive, esse foi um dos motivos, segundo Gomes Neto, da criação dos povoamentos margeando o rio Castelo visando proteger as Minas. Os jesuítas evitaram a presença dos Bandeirantes por alguns anos e até décadas, mas não conseguiram ocultar por mais tempo seu achado, já que no início do século XVIII, por volta de 1705, Pedro Bueno Cacunda “descobre” o que tanto os jesuítas buscavam esconder. A partir daí, entramos na Segunda fase da mineração em Castelo.

5.1.2 – Segunda Fase – séc. XVIII

A segunda fase começa com a presença dos bandeirantes, no nosso caso, Pedro Bueno Cacunda. Esta fase apresenta uma subdivisão:

A-   Pedro Bueno explorou ouro na região, de 1705, como temos registros aqui de sua presença e vai até 1734, quando desanimado e sem recursos abandonou as minas.

B-   Após 1734, quem assumiu a mineração em nossa região foram os jesuítas, que por aqui ficaram até 1759, ano de sua expulsão não só do Brasil, mas também de Portugal por decreto do Marquês de Pombal. Esta fase foi monopolizada pelos padres, e parte da riqueza ia para os cofres da Coroa ou da Companhia de Jesus.

C-   Com a saída dos jesuítas, mineração continuou sendo prática entre os mineradores que aqui ficaram, porém, foram expulsos por duas vezes pelos índios. A primeira em 1754 e a definitiva em 1771.

A Segunda fase inicia-se com a chegada de Pedro Bueno Cacunda, o mais importante bandeirante que andou por nossas terras. Em 1705, ele inicia sua perseguição em busca de ouro pelo interior do Brasil, e chegando à Capitania do Espírito Santo, adquire alguns terrenos e constrói casas para servirem de base às futuras explorações. Neste período ele teve contato com o Governador do Rio de Janeiro, Fernando Mathias de Mascarenhas, que o encorajou em sua missão, afirmando que ele prestava um grande serviço à Coroa. Outro que encorajou Pedro Bueno foi Domingos Luiz Cabral, que também era explorador de ouro e esteve analisando as vertentes do rio “Mayguassú” – Manhuaçu (afluente do rio Doce e que divide o Espírito Santo de Minas Gerais), e, além disso, o orientou em como chegar às minas do Castelo.

Ao chegar às Minas do Castelo, Bueno se deparou com os jesuítas, que já exerciam a clandestina atividade da mineração. Porém, não encontramos relatos a respeito do encontro, mesmo porque, a grande maioria dos historiadores acreditava na errada hipótese do pioneirismo de Cacunda. O que sabemos é que os jesuítas eram os senhores da região, e se julgavam extremamente bem protegidos para exercerem sua atividade clandestina. Para isso, é bem provável que dispunham de meios (armas ou não) para repelis os invasores. Por outro lado, os bandeirantes, caçadores profissionais de gente e riquezas, vinham dispostos a tudo para atingir seus objetivos. Coragem, valentia e espírito de luta eram características que não faltavam aos bandeirantes que viajavam pelos sertões em grupos de 20 a 30 pessoas entre índios, chefes das expedições e seus filhos. O resultado deste provável confronto em que grupos distintos tinham o ouro como mesmo objetivo é desconhecido. E não são poucas as chances de ter havido conflito.

Outro capítulo (este documentado) entre bandeirantes e jesuítas na luta pelo ou das Minas de Castelo, deu-se no âmbito da influência de que ambos dispunham nos altos escalões da coroa. Diante das dificuldades proporcionadas pelos índios, irregularidade do terreno e densidade da mata, Pedro Bueno escreve ao rei em 1734, pedindo ajuda para a continuação de sua empreitada mineradora.

Os pedidos de Bueno eram para serem retirados 60 índios das aldeias de Reritiba, dos Reis Magos e de Santo Antônio da Vila de São Salvador, esta última comandada pelos religiosos de Santo Antônio, e as demais pelos Inacianos. Seriam retirados 20 índios de cada aldeias, e os mesmos prestariam serviço ao bandeirante po 3 anos. Após este período, retornariam às suas aldeias (os sobreviventes, é claro), onde seriam trocados por outros 20, e assim sucessivamente. Ele ainda pedia ferramentas e arma própria para a utilização dos índios, além de pólvora e chumbo. Por último, Cacunda incluía em seu pedido 80 homens sob as ordens das Capitanias do Espírito Santo e Paraíba do Sul.

Os pedidos do bandeirante foram bem recebidos pela Coroa, através do Conselho Ultramarino. Tanto é verdade, que em 26 de dezembro de 1735, foi expedida a ordem ao Provedor da Fazenda da Bahia para que Pedro Bueno fosse atendido em seus pedidos. O Conde de Sabugosa, segundo a ordem Real, ficou encarregado de arregimentar junto aos jesuítas, os índios pedidos por Cacunda. Aí entra a influência dos padres da Companhia de Jesus, que aliados ao poder de convencimento que lhes era característico, convenceram o então Conde de Sabugosa a desistir de cumprir a ordem. Sendo assim, o referido conde indefere o pedido e lança na mesma petição um despacho que diz:

“A S. Majestade darei conta porque não cumpro a portaria”

LAMEGO, Alberto. “A Terra Goytacá”. Livro II, p.279

Desiludido, Pedro Bueno Cacunda retira-se para o rio Doce, região onde existiam muitos índios que mataram escravos do bandeirante, impossibilitando o mesmo de exercer a atividade de mineração.

A disputa entre os padres jesuítas e os bandeirantes não foi a única característica deste período que convencionamos chamar de Segunda Fase da Mineração das Minas de Castelo. Outra característica foi a ciência, por parte da Coroa Portuguesa, da existência de ouro no interior da Capitania do Espírito Santo.

Um importante bandeirante que passou rapidamente pela Minas do Castelo e pelo interior da Capitania do Espírito Santo até o Cabo de São Tomé foi Manuel Francisco dos Santos Soledade. Este português permaneceu, a partir de 1704, por seis anos no interior do Brasil. Com suas bandeiras à procura de ouro, neste espaço de tempo, percorreu três mil léguas. Ao retornar a Lisboa foi condecorado pelo rei com o Hábito de Cristo, e nomeado em 18 de dezembro de 1730, como Superintendente da conquista das minas do Brasil.

A Coroa Portuguesa teve uma política confusa com relação a exploração e à descoberta de ouro na Capitania do Espírito Santo. Os portugueses temiam os piratas, já que as minas se localizavam próximo da costa, facilitando assim a ação de contrabando das demais nações europeias. Outra preocupação era o desguarnecimento da costa, no caso de uma corrida de seus habitantes rumo ao interior em busca de ouro. A primeira proibição para a descoberta e exploração do ouro em nossa Capitania foi feita em 10 de novembro de 1710, pelo Governador Capitão General do Estado do Brasil, D. Lourenço de Almada. A ordem proibia ainda a construção de qualquer estrada para as Minas Gerais, pois era intenção da Coroa transformar a Capitania do Espírito Santo em uma grande cerca verde e desabitada, para proteger dos piratas estrangeiros, as Minas Gerais da Coroa Portuguesa. Esta tática deixou profundas consequências negativas no futuro desenvolvimento do Estado do Espírito Santo.

A pena prevista para quem desrespeitasse a proibição era o degredo dos infratores para Angola. Mesmo assim, as explorações não pararam e eram incentivadas pelo Intendente Geral do Rio de Janeiro. Este fato descontentava o governo da Bahia, pois as minas não eram adjacentes ao governo do Rio de Janeiro, e sim ao da Bahia. Apesar da insatisfação dos baianos, o ouro de Castelo ia mesmo para o Rio de Janeiro, mais precisamente para a Casa da Moeda: de 1º de agosto de 1751 até 14 de julho de 1759, deram entrada na referida casa 246 marcos, duas onças e uma oitava de 18 grãos, provenientes das Minas do Castelo. Esta parte é a de um período restrito, e a que foi quintada, pois acreditamos que boa parte foi extraída clandestinamente, graças às dificuldades de controle por parte da Coroa. O ouro quintado na Casa da Moeda proveniente de Castelo, neste período, equivale a aproximadamente 58 quilos. Anterior a esta data, mais precisamente a 1732, o Capital-Mor da Capitania do Espírito Santo, Silvestre Cirne da Veiga, mandou que se quintasse o ouro das Minas do Castelo, no entanto, não se tem registro a respeito de tal atividade.

Após 125 anos da presença dos jesuítas nas Minas do Castelo e de exploração de ouro na região, o Ouvidor-Mor do Espírito Santo nomeia Domingos Corrêa da Silveira, em 1750, como Capitão de todo o distrito das Minas de Castelo. Mas tal ato contou com o repúdio do governo baiano. A função a ser desempenhada pelo ocupante do cargo recém-criado era de pôr fim às constantes desavenças e brigas entre bandeirantes e índios que viviam e trabalhavam nas minas. Os confrontos entre brancos e índios eram comuns e não terminaram com a criação do posto de Capitão das Minas de Castelo.

Foi durante o período B da 2ª fase da mineração que ocorreu a expulsão dos jesuítas do Brasil, e consequentemente de Castelo, resultado da política pombalina. Os padres jesuítas tiveram que sair às pressas da colônia, acontecimento que gerou algumas lendas que até hoje circulam entre habitantes de Castelo, mais precisamente, nas regiões onde ficavam as minas. As lendas consistem basicamente na existência de tesouros de ouro escondidos pelo interior do município, além da existência e mapas para localizá-los. Assim, ligado o fato dos jesuítas terem explorado ouro de forma clandestina, ao fato de terem sido expulsos repentinamente do Brasil, fica a pergunta: o que foi feito com o ouro? Basta adicionarmos um pouco de imaginação para darmos certo crédito à lenda, porém, não é este o nosso objetivo no momento. Deixemos que os modernos caçadores de tesouros se preocupem com isso.

A harmonia nunca foi uma característica presente no relacionamento entre índios e garimpeiros. E foi justamente um enfrentamento entre eles que culminou com a fuga dos brancos para o litoral, deixando os garimpos das serras do Castelo abandonados. Por se tratar de um fato marcante, resolvemos utilizá-lo como o marco final da Segunda Fase da mineração. Sabemos que eram dois mundos que não tinham a mínima chance de coexistirem harmonicamente, por isso, buscaremos relatar o resultado desta impossibilidade, que foi o confronto final entre eles. Aliás, umas das características dos combates, além da aterrorizadora violência, era a banalidade devido à frequência com que eles aconteciam.

A vida seguia sua normalidade, quando inesperadamente, um grupo de índios dava o alarme em forma de gritos. Os habitantes do Arraial se agrupavam no centro, e armados com trabucos e chuços enfrentavam os nativos, que disparavam suas flechas mortíferas por todos os lados. Os índios pareciam ser invisíveis, pois se camuflavam muito bem no terreno devido ao seu grande conhecimento do local. Ao fim da batalha, os corpos, dos até então inimigos, se misturavam pelo chão, e o fogo  ainda resistia em pequenos focos, após devorar algumas choças onde habitavam os garimpeiros. A data exta da saída (ou fuga) dos mineradores das Minas do Castelo rumo ao litoral não é precisa. Antônio Marins afirma em sua obra, “Minha Terra e Meu Município”, que tal fato aconteceu entre 1779 e 1780; Tristão de Alencar Araripe diz que o mesmo fato ocorreu, aproximadamente, em 1771.

Existe um lenda a respeito dos motivos que levaram os índios a lutarem até conseguiram a expulsão dos mineradores. Ela conta que tudo ocorreu porque os garimpeiros cortaram uma ponte de cipó sobre o rio Caxixe. Por essa ponte os índios atravessavam. Com a derrubada da ponte, os mineradores pensavam em se ver livres dos índios, mas ocorreu o contrário, pois estes tomaram o ato como ofensa e intensificaram os ataques. Assim, não restou aos mineradores outra alternativa senão a fuga. Após o ataque, alguns mineradores tentaram resistir, ficando nas minas com o apoio de incursões vindas das Capitanias da Paraíba do Sul e de Minas Gerais, mas em 1771, segundo Tristão de Alencar de Araripe, foram expulsos e perseguidos pelos botocudos até a Vila de Itapemirim. Botocudos e Puris passaram a reinar soberanos na rica região onde outrora, garimpeiros e jesuítas se digladiavam em busca do rico metal. As lutas cada vez mais constates entre índios e garimpeiros, a falta de recursos econômicos para investimento na mineração e a falta de apoio efetivo (a não ser da Capitania do Rio de Janeiro, que não foi suficiente) da Coroa para a exploração foram os motivos do declínio das minas das serras do Castelo.

Esta fase foi, sem dúvida, a mais próspera história das Minas do Castelo, sendo assim importantes falarmos um pouco mais sobre fatos que aconteceram e que, de certa forma, marcaram o período.

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Pia Batismal da Paróquia Nossa Senhora do Amparo – Itapemirim – ES

Os jesuítas já haviam construído uma igreja em 1625, mas Pedro Bueno também se deu ao trabalho de mandar construir uma na aldeia do Caxixe em homenagem a Nossa Senhora da Conceição.

A nova igreja passou a ser a Matriz da Freguesia em substituição a dos jesuítas. Esta mudança acarretou também a alteração do nome da Freguesia, que passou a se chamar Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Minas do Castelo, em 1754.

Nesta época, existia um fluxo considerável de fiéis na região, visto que foi necessária a construção de duas igrejas próximas. Em 1765, muitos destes habitantes emigraram para o Porto do Caxangá, no Sítio  Itapemirim, e o motivo da saída, como sabemos, eram os confrontos com os índios.

Sinos da Paróquia Nossa Senhora do Amparo – Itapemirim – ES

Temerosos em relação ao futuro, esses habitantes não só emigraram, como levaram consigo as imagens e paramentos das igrejas. O responsável pelo translado foi o pároco Amaro da Silva Carneiro. Foi levada a imagem de Nossa Senhora do Amparo, a de São Benedito, os sinos e a pia batismal.

Inicialmente, eles foram colocados em um oratório ereto, na casa de Domingos de Souza Bueno Camargo. Posteriormente, foi edificada uma igreja no local denominado Bello, hoje, Itapemirim, de propriedade de Baltazar Caetano Carneiro, só para amparar a imagem.

Imagem de Nossa Senhora do Amparo, que se encontra no altar da Paróquia – Itapemirim – ES

Em março de 1769, esta igreja foi declarada paroquia da Nova Freguesia de Nossa Senhora do Amparo do Itapemirim, atual Paróquia de Nossa Senhora do Amparo.

Além das imagens que se tornaram peregrinas, neste período, existia também em Castelo, uma irmandade consagrada a São Benedito. Este tipo de instituição era característica comum nas regiões auríferas. O Jornal “A Gazeta de Itapemirim” de 11 de março de 1883, traz a seguinte notícia a respeito da irmandade de São Benedito:

“A esse tempo já ali havia imagens no templo, entre essas, a de São Benedito, que mais tarde teve criada a sua irmandade, inaugurada em 1756, no dia 26 de dezembro, em que se inscreveram 73 irmãos devotos, pretos e brancos, livres e escravos, entre eles Cláudio Dias de Queiroz, preto forro, natural de Campos, que veio morar e ser sepultado nesta vila em 1792”. Ainda sobre a irmandade, podemos afirmar que foi aprovada pelo Bispo do Rio de Janeiro, Francisco Antônio do Desterro, em 1764.

Os irmãos pagavam as suas joias com ouro em pó. Do seu patrimônio constava a existência de terrenos, joias, ouro em pó, uma pequenas casa de telha e animais. Mas, todo esse patrimônio se perdeu no tempo devido às constantes batalhas com os índios. A imagem de São Benedito tinha m resplendor de prata com o sinal do rei, mas devido as seguintes reformas pelas quais passou, tal sinal se perdeu. O referido selo também tinha assinatura do Bispo do Rio de Janeiro, que fez o reconhecimento oficial da irmandade. No período em que funcionou a irmandade, o vigário das minas era o Reverendo Antônio Ramos de Macedo. O fato curioso a respeito da irmandade á a convivência, a que tudo indica, igualitária entre brancos e negros, escravos e livres, dentro da mesma instituição (MARINS, Antônio. Minha Terra e meu Município. RJ. 1920.)

As vias de comunicação da época, na segunda fase da mineração em Castelo, eram os rios. Por eles se chegavam às minas e se escova a produção. Mesmo quando não davam condições de navegabilidade, seriam como ponto de referência, já que os aventureiros seguiam margeando os rios em suas expedições rumo ao interior. Dois foram os rios que deram acesso às nossa minas. Um deles foi o Benevente, que tem sua foz em Anchieta, na antiga Rerigtiba. Muito provavelmente, este foi o caminho utilizado pelos jesuítas exiliados pelos índios, pois a nascente deste rios fica próximo à região das minas. Após subirem margeando o rio, os jesuítas andavam um pouco mais, e através da orientação dos nativos, chegaram ao local onde edificaram suas missões e exploraram ouro.

O outro rio é o Itapemirim, que tem o Rio Castelo como seu afluente, e deságua em Marataízes. Vejamos o que diz um relatório da época, a respeito de tal rio:

“Da Barra até as minas do Castelo, se gastam oito dias em canoas carregadas e em canoas escoteiras este rio para o sul e vai seguindo para o Castelo, chegando ao lugar da Fruteira se divide o rio da Fruteira para o norte, e se vai seguindo o Castelo e chegando a Manga Larga divide-se já como pouca água até chegar ao Porto da Piedade, que é o porto das minas do Castelo, daí para cima não há mais navegação, por haver algumas cachoeiras, sempre vai seguindo do Castelo para cima, as cabeceiras dele se gastam doze dias”.

OLIVEIRA, José Teixeira Leite de História do Estado do Espírito Santo, pág. 225.

Este relato a respeito do Rio Itapemirim e do Rio Castelo, de sua foz à nascente, dá-nos a dimensão das dificuldades encontradas pelos exploradores de ouro para chegaram aos locais de trabalho, que neste período levavam oito dias pelas águas do rio. Os rios Itapemirim, Castelo e Benevente foram usados basicamente para se chegar às minas e para escoar a produção, mas o rio onde se encontrava o ouro era o Rio Caxixe e o do Ribeirão. É de se destacar a imensa importância que o rio exerce neste período específico da história castelense, pois era dele que se retirava e por ele que se transportava toda a riqueza.

Cabe-nos ainda algumas informações sobre o Rio

Caxixe, que teve este nome em homenagem ao último dos vigários da Freguesia de Santana das minas do Castelo, na segunda metade do séc. XVIII, o Padre André de Souza Leite, que também era conhecido coo Padre Doutor ou Padre Caxixe. O referido padre era de Campos e detentor de muitos bens. Ele costumava vir à região para negociar ouro em pó com os mineradores. Apesar de padre, ele também era um rico negociante e profundo conhecedor mais cobiçado da terra, e daí é que vem o outro apelido, de Padre Doutor. A presença de pessoas endinheiradas, como o Padre Caxixe e o Major Antônio da Silva Povoas, foi muito importante para a dinamização da exploração do ouro nesta segunda fase da mineração em Castelo, pois sem o investimento necessário, não se aumentaria a produção aurífera.

Padre Caxixe não foi o único morador de Campos que se interessou pelas riquezas das minas do Castelo. A cobiça foi tanta que se projetou a construção de uma estrada ligando as minas a então capitania. Os oficiais da Câmara da Vila de São Salvador enviaram, em 1757, um pedido à Coroa para se abrir uma estrada daquela Vila até as minas do Castelo. Pediram também a criação de um posto de intendente de ouro na mesma Vila de São Salvador. E, buscando conseguir a liberação para a construção da estrada (neste período só podia construir qualquer tipo de estrada com a autorização da Coroa), os habitante de São Salvador argumentavam que a mesma lhes proporcionaria uma grande economia de tempo, pois levaram quinze dias no transporte do ouro das minas até a Casa da Moeda, no Rio de Janeiro; e segundo eles, com a nova estrada, o percurso até a Casa da Moeda gastaria somente três dias.

Além dos problemas causados pela precariedade dos transportes e pela geografia local, outro aspecto que dificultava o escoamento da produção era a burocracia, que exigia que o ouro passasse para o Rio de Janeiro. Depois de qintada a parte devida, o oro era enviado a Portugal.

O ouro retirado das minas descia pelo Rio Itapemirim em canoas, mas até a foz eram doze cachoeiras, e em cada um delas a canoa tinha que ser descarregada e tirada do rio com as mãos, causando assim muitos transtornos e dificuldades aos navegantes. Mas, o rio não era o único problema, pois o ouro de Castelo tinha que pegar guia em Vitória, para depois ser levado para quintar na Casa da Moeda do Rio de Janeiro. O caminho até Vitória era deserto e perigoso, tendo o viajante que atravessar nove rios até chegar ao destino. De posse da guia, o viajante retornava pelo mesmo difícil caminho, passando posteriormente pela Vila se São Salvador até chegar ao Rio de Janeiro. Com a nova estrada, o ouro sairia diretamente das minas do Castelo para a Vila de São Salvador (hoje cidade de Campos) e seguiria viagem para o Rio.

No período colonial, Portugal usava a política de impedir, a qualquer preço, o desenvolvimento e a comunicação interna entre as províncias. Esta postura política era um meio de impedir um desenvolvimento interno que os portugueses temiam que chagassem à independência. Uma forma de impedir o desenvolvimento era uma rigorosa fiscalização na construção de estradas, no interior da colônia. O pedido feito pelos habitantes da Vila de São Salvador, em 1757, para a construção da estrada, passou por toda a burocracia colonial, e foi finalmente apreciada pelo conselho ultramarino, que deu parecer favorável à construção, com apenas um voto contra, do Dr. Alexandre Metello de Souza Menezes. A resolução real para a construção da estrada foi dada em 27 de novembro de 1761 juntamente com uma carta topográfica da região, onde constatava, além de outras coisas, a existência de seis aldeias indígenas, as quais o rei mandava civiliza-la. Só em 20 de abril de 1763, ou seja, seis anos após o envio da primeira carta, o Governador do Rio recebe a ordem real para a construção da estrada. Mas, nesta época, as minas já estavam decadentes, o que desmotivou por completo, a construção da tão sonhada estrada.

Por trás da construção da estrada, havia uma disputa entre a Capitania do Espírito Santo e a Vila de São Salvador pelo ouro de Castelo. Geograficamente, Castelo pertencia, e pertence, à Capitania do Espírito Santo, o que nos faz acreditar que o ouro deveria passar primeiro por Vitória, mas por razões práticas e econômicas, seria mais vantajoso para os exploradores e para a Vila de São Salvador, a construção da estrada. Neste caso, quem sairia perdendo serio o Espírito Santo. Em resumo, eram esses os cominhos para se chegaram às minas: o Rio Benevente e o Itapemirim. Pela estrada projetada e não realizada pelos moradores da Vila de São Salvador não trafegou outra coisa a não ser os sonhos de seus idealizadores.

Para encerrar o relato sobre este período da história de Castelo, gostaríamos de enfatizar, além do dia-a-dia dos habitantes, os aspectos gerais das minas. Nenhum minerador pretendia viver eternamente por aqui, o que buscavam era somente enriquecer e desfrutar do local em lugares que oferecessem melhores condições, sendo assim, o arraial tinha características rudimentares e de caráter provisório. A população crescia misturando os hábitos dos negros, dos índios e dos portugueses na pequena clareira aberta, em meio à mata virgem. O poder da lei e da autoridade estava distante, a ponto de prevalecer dentro do arraial, apenas a autoridade dos padres, quando esta ainda prevalecia. As casa eram construídas de forma a deixar um grande espaço no meio, que era utilizado comunitariamente como praça. As características das construções era um tanto quanto semelhantes às dos índios. Era utilizada a própria madeira da região, que servia de parede, e as cascas e folhas serviam de teto. As casas eram construídas mantendo uma certa distância, pois em caso de incêndio provocado pelos índios, não se destruiria toda a vila. O arraial tinha um aspecto sombrio devido à qualidade e ordenação das habitações, e também graças às árvores não derrubadas, que se espalhavam secas por toda parte. Esse aspecto sombrio dava lugar ao exótico, quando aos domingos, a Bandeira Portuguesa tremulava em mastros fixados na porta das casas dos chefes do garimpo.

O amanhecer trazia consigo uma considerável leva de cavadores de ouro para o início das atividades, que só terminavam quando o sol se punha. Esses cavadores eram homens rudes, barbas por fazer, que ao regressarem à Vila, enchiam-lhe de vida, pelo fato da mesma passar o dia vazia, à espera dos sonhadores habitantes. Assim era a vida nos Arraiais de Castelo, distante de tudo, do poder real e eclesial, mas extremamente próxima do sonho do enriquecimento, e por mais que a dura realidade lhe parecesse pesadelo, o sonho resistia.

O mapa abaixo, copiado por Bueno Dias Fernandes, com algumas modificações da “Geografia e História do Espírito Santo” de Miguel A. Kill, mostra as minas do Castelo e sua proximidade com a região de Ouro Preto, Mariana em Minas Gerais.

O fim da Segunda Fase da Mineração em Castelo foi consequência da derrota dos mineradores para o mundo tribal e comunitário dos índios. Os fatores que levaram os índios à vitória inicial foram um melhor conhecimento do terreno, que lhes possibilitava melhor locomoção durante as batalhas, e também melhor condição de adaptação e sobrevivência na selva. Por parte dos mineradores, a derrota foi resultado não só das melhores condições dos índios, mas também da falta de recursos econômicos, que tornava tanto a mineração como a defesa das minas com características totalmente arcaicas, e no caso específico da mineração, inviável economicamente. As difíceis condições de transporte também contribuíam para o fracasso da mineração. Por último, podemos apontar não só a falta de apoio da Coroa, mas também a proibição das atividades de mineração em Castelo. A política confusa em relação a Minas do Castelo, que ora proibia e ora legalizava a exploração, fazia parte da estratégia portuguesa para o Brasil. Seguindo a mesma estratégia, o Espírito Santo serviu de proteção, uma autêntica cerca verde, para preservar as ricas minas de Minas Gerais.

Por volta de 1785, não existia mais nada da antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Minas de Castelo. Casas, igrejas, vila, fazenda, tudo fora destruído pelos botocudos que voltaram a ser senhores soberanos de toda região, como outrora. Mas no século posterior, as atividades de mineração voltaram a serem efetuadas em nossa região; esta retomada dos trabalhos foi por nós designada como a “ A Terceira Fase da Mineração”, que é justamente a que nos dedicaremos a partir de agora.

5.1.3 – Terceira Fase – Séc XIX

A terceira fase inicia-se com o que havia faltando na segunda, o apoio da Coroa Portuguesa, pois agora o Espírito Santo já havia cumprido sua função de proteger as ricas minas de Ouro Preto e de Diamantina. Com a decadência da mineração em Minas Gerais, não fazia mais sentido manter o espírito isolado e despovoado para proteger o que não mais existia. E foi justamente por isso, que em 4 de dezembro de 1816, através de Carta Régia, D. João VI ordenou ao então governador da capitania do Espírito Santo, Francisco Alberto Rubim, que dividisse os terrenos das antigas minas do Castelo e que desse reinício às explorações de ouro.

Esta fase teve uma duração bastante curta, de 1816 a 1830. Neste período houve exploração contínua, contando, inclusive, com a presença de mineradores ingleses e alemães. As explorações não terminaram por inteiro em 1830, mas houve uma considerável diminuição, acabando por se tornar uma atividade esporádica, que chega até os nossos dias. Há registro de remessa de ouro de Castelo, enviada pela província do Espírito Santo ao Governador Imperial, nos anos de 1820, 1824 e 1847. Este envio foi a título de amostragem e foi efetuado pelo Coronel Julião Fernandes Leão.

A presença real é uma característica que difere a terceira fase das duas anteriores. O que se conseguia com a força física, na terceira fase passou a se conseguir com o uso de uma outra força – a política. Foi assim que no dia 1º de outubro 1822 no linear de nossa “Independência”, o Tenente-Coronel de Milícias, Ignácio Pereira Duarte Carneiro, recebeu, através do ministro do império, a autorização para lavrar as minas de Sant’Ana do Castelo. O Tenente-Coronel genro de Joaquim Marcellino da Silva Lima, o famoso e poderoso Barão de Itapemirim, que comandava com pulso forte toda a política do sul do Espírito Santo. O grade poder político conseguido através do poder econômico, da troca de favores e de assistencialismo às véspera das eleições, comum na política do sul do Estado, tem raízes profundas na nossa história. Vem do início do império a tradição de usar coisa pública, como um bem privado em benefício de determinado grupo de amigos ou parentes. Tornam-se cada vez mais comuns em nosso dia-a-dia, casos iguais ao do Barão de Itapemirim, que conseguiu concessão das minas do Castelo para o seu genro. O fato desta tradição vir de longa data, deve ser motivo de desânimo, mas sim de força e impulso para que lutemos contra estes problemas que aumentam cada vez mais a distância entre ricos e pobres.

Livre do julgo de servir cerca verde para proteger as minas de ouro de Minas Gerias, inicia-se a tentativa de dinamizar economicamente o Espírito Santo. Um passo importante neste sentido foi a criação da estrada do Rubim, que ligava Vitória às jazidas auríferas de Minas Gerais. Esta estrada tem um percurso semelhante ao da BR 262, e leva este nome por ter sido construída entre 14 de setembro de 1814 e 30 de agosto de 1816, período em que Francisco Alberto Rubim era governador do Espírito Santo. O encarregado da construção foi o Tenente-Coronel Ignácio Pereira Duarte Carneiro, o mesmo que tinha a concessão de explorar as minas do Castelo.

A estrada nova do Rubim, ou também estrada de São Pedro de Alcântara (os dois referiam-se a mesma estrada), tinha início na baía de Vitória, no porto de Itacibá e passava na fazenda Borba, hoje Viana. A referida fazenda pertencia a mesma pessoa responsável pela construção da estrada, o Tenente Coronel Inácio Pereira Duarte Carneiro. Através desta afirmação, percebe-se mais uma vez, a velha mania de usar coisa pública em benefício particular. Da fazenda Borba, a estrada ia até a divisa do Estado do Espírito Santo com Minas Gerais, no rio Pardo onde existia um quartel com o marco divisório. A estrada terminava em Mariana, e em seu percurso foram criados quartéis onde moravam colonos vindos de outra possessão portuguesa, os Açores. A presença dos moradores nos quartéis era para proteger a estrada e os viajantes dos ataques dos índios. Além de conservar a estrada, os colonos cultivavam lavouras. A distância que separava os quartéis era de três quilômetros.

A estrada de Rubim deu um certo impulso na mineração em Castelo, pois ela passava relativamente próximo às minas, mais precisamente onde hoje é Conceição do Castelo, facilitando assim o escoamento de ouro para Vitória. Passavam por ela também tropa com variados produtos que eram transportados para Vitória provenientes das Minas Gerais. Mas, devido ao pouco fluxo de pessoas, cargas e bois, a estrada foi sendo gradativamente abandonada, assim como seus quartéis de manutenção e proteção.

Foi também no terceiro período da mineração em Castelo, mais precisamente em 1820, que o então governador do Espírito Santo, Baltazar de Souza Botelho Vasconcelos, enviou  ao rei um pedido de regulamentação dos trabalhos das minas e também de proteção dos índios, que a esta altura não ofereciam muita resistência à presença do branco em seu antigo território. E foi justamente atendendo a este pedido, em 1º de agosto de 1829, que o governo imperial criou, para efeito de lei, o Aldeamento Imperial Afonsino, que ficou, como não poderia deixar de ser, a cargo de Joaquim Marcelino da Silva Lima, o Barão de Itapemirim.

O Barão de Itapemirim só executou a missão a qual o governo imperial lhe havia ordenado, em 1845. Após uma viagem à região das Minas Gerais, o Barão passou pelas Minas do Castello, e encantado com a beleza da região. Decidiu enfim cria o aldeamento para os índios Puris, que ficava localizado à margem do rio Castelo. O responsável direto por sua fundação, designado pelo Barão, foi o engenheiro Frederico Willmer, que foi sucedido pelo Frei Daniel de Napoli. Mas tarde, os índios abandonaram o aldeamento, que estava sobre comando do Frei Bento de Gênova. Deste momento em diante, o local foi se transformando em vila, que contava em sua maioria, com a presença de brancos. Na segunda metade do séc. XIX, uma lei provincial elava o antigo Aldeamento à categoria de freguesia com a invocação de Nossa Senhora da Conceição do Castelo, atualmente denominada apenas Conceição do Castelo.

Mais uma vez, as minas de ouro do Castelo são pauta do dia, no Império do Brasil. Em 17 de dezembro de 1824, o então imperador D. Pedro I ordena, através de decreto, a divisão das ricas terras das minas do Castelo, já que o genro do Barão de Itapemirim, Inácio Pereira Duarte Carneiro, não havia feito uso da concessão que lhe autorizava a mineração da área. Economicamente, Portugal e Brasil era extremamente dependentes da Inglaterra, no início do século XIX, e esta dependência foi sentida e refletida aqui nas minas do Castelo. Em 1824, os representantes de uma companhia inglesa, Georges Creyress Baumer e Eduard J. Bridges, estiveram visitado as minas. Os responsáveis pelas minas receberam ordens claras do Imperador para facilitar e auxiliar os estrangeiros em suas “pesquisas”, colocando à disposição dos mesmos todas as riquezas das minas do Castelo. Esta atitude é uma clara demonstração de submissão aos interesses estrangeiros; submissão da qual ainda não estamos livres nos dias de hoje.

O local que hoje conhecemos como Fazenda do Centro, também foi palco de mineração, como afirmamos anteriormente, graças às suas planícies em que o metal se assentava no fundo do rio, que era até desviado para facilitar o trabalho de cata do ouro. Mais do que lugar de mineração, a Fazendo do Centro foi o local onde se iniciou a mudança da base econômica do futuro município de Castelo. Desiludidos com o ouro, que se tornava cada vez mais escasso, os moradores da Fazenda do Centro iam se dedicando gradativamente à agricultura. O Major Antônio Vieira Machado da Cunha foi um dos primeiros donos da fazenda a empreender outras atividades econômicas, que não fosse a mineração. A atividade econômica que suplantou a mineração, inicialmente na Fazenda do Centro, e posteriormente no município, foi a extração de madeira para a transformação das matas em lavouras de café e pasto para gado.

A região, hoje Fazendo do Centro, havia sido abandonada pelo major Povoas, “o velho”, provavelmente, desiludido com a escassez do ouro. Foi aí que o Major Antônio Vieira Machado da Cunha tomou posse do local, dando-lhe a denominação que ainda hoje pendura. O Major Vieira da Cunha chegou a Castelo em 1845 e faleceu em 23 de julho de 1868, deixando como herdeiro da fazenda, um de seus genros, o português Manoel Fernandes Moura.

O tal português era comerciante de fumo, café, toucinho e queijos na Rua da Candelária, no Rio de Janeiro; por ser amigo de Vieira da Cunha veio a se casar com uma de suas filhas, vindo a falecer em uma viagem de Portugal para o Rio de Janeiro. Este fenômeno de mudança do ciclo econômico, do ouro para o café, não foi exclusivo da Fazenda do Centro, ocorreu também em outras áreas de mineração, como na Fazenda da Prata, Limoeiro e Caxixe.

5.2 – As Consequências da Proibição da Mineração no Espírito Santo e em Castelo

Com o aumento da fama e da riqueza das “Gerais”, Portugal temia que invasores estrangeiros fossem atraídos por elas e pelas Minas do Castelo, e assim pudessem conquistar a cidade de Vitória e subir o rio Itapemirim, chegar ao Castelo e depois às “Gerais”. Por esta razão, e também para impedir que o ouro fosse contrabandeado pelo litoral da Capitania do Espírito Santo, Portugal não só as explorações das Minas do Castelo e a descoberta de outras, mas também que a Capitania mantivesse ou abrisse quaisquer comunicações com as Gerais. A desobediência dessa ordem seria punida com o confisco dos bens e o degredo para a África.

O 1º Ato de Proibição data de 10/11/1710. A alegação da Coroa para a proibição se devia à proximidade da Costa, da falta de proteção contra piratas, do pouco povoamento que nesta época ainda se encontrava no Espírito Santo, aliados à mata tropical fechada. Nossa Capitania pouco se desenvolveu economicamente, apesar dos vários engenhos de açúcar aqui montados. Vários fatores contribuíram para nosso insucesso: ataque constantes dos índios, poucos recursos financeiros dos colonos que aqui se instalaram, a distância do mercado europeu e, com certeza, uma população em qualidade e quantidade bem inferior à da menina dos olhos da Coroa Portuguesa nesta época, que era Pernambuco. Portanto, nossa colonização foi litorânea e escassa, o que vai gerar, no início do século XVIII, quando há as primeiras descobertas de ouro em nosso interior, desconfianças por parte de Portugal em permitir que o escoamento do ouro das “Gerais” passasse pelos portos capixabas (Vitória).

Não basta a Portugal encontrar as minas de ouro no Brasil, mas também assegurar seu controle e fiscalização rigorosa sobre elas. Afinal, nesta época, Portugal se debatia numa economia decadente, e ainda mais, com o açúcar brasileiro em baixa no mercado europeu, o ouro então seria a solução para todos os males. Portugal não se permitiria o risco de ver o ouro passando por uma região de tão poucos fortes militares, poucos habitantes, que não ofereceria o mínimo de condições de segurança para passagem do mesmo.

A decisão da proibição foi, portanto, algo bem pensado, bem avaliado para não haver possibilidade de erro. Como não havia garantia de proteção das jazidas, foram proibidas construções de estradas ou navegação fluvial em direção ao interior.

As proibições impediram que, com a febre da procura do ouro e pedras preciosas e com a abertura de caminhos para o sertão ou para as “Gerais”, mais rapidamente tivesse sido desbravado e se expandido o território do Espírito Santo. As minas “Gerais” tornaram-se território proibido aos capixabas. A capitania funcionou como uma verdadeira Barreira Verde ao desvio do ouro, foi a fortaleza e a proteção das “Gerais”.

Não é difícil avaliar os prejuízos de tal medida adotada e imposta aos capixabas. Com certeza, o Espírito Santo perdeu muito, pois pela Carta de Doação de 1534, de Vasco Fernandes Coutinho, totó o território que compreende as áreas de exploração do ouro, na região das minas, pertencia à Capitania do Espírito Sato, o que ficou confinado a praticamente 1/5 do que verdadeiramente lhe pertencia. Mas, perdeu também em desenvolvimento, 300 anos de esquecimento, de fechamento ao progresso. Quem levou a melhor foi o Rio de Janeiro, que se desenvolveu em função do ouro que passou a circular por seus portos, em direção à Europa, vindo inclusive a tornar-se a capital da colônia em 1763.

A capitania do Espírito Santo virou uma cortina intransponível para se aintir o ouro.

As proibições no Espírito Santo provocaram, então, aprofundamento da decadência da capitania, relegando a ela um abandono e um atraso correspondente a 3 séculos, só vindo a modificar esta situação com a produção cafeeira. A nossa pobreza serviu à riqueza e ao desenvolvimento das outras regiões próximas às minas.

Com relação a Castelo, a política da proibição modificou-se em vários rios momentos, de proibidas e consentidas e até autorizadas pelas autoridades do governo.

Mesmos assim, quem saiu ganhando com essa exploração do ouro em Castelo, não foi Castelo, que com certeza não viu o metal servir ao seu desenvolvimento e ao seu crescimento, pois não se tem, sequer, registros oculares da sua presença aqui, como no caso das “Gerais”.

VI – ORIGEM DO NOME CASTELO

 

Muitos se perguntam sobre a origem do nome de nosso município: Castelo. A melhor e mais correta maneira de darmos uma resposta a esta indagação é recorrendo à história. Mas, não buscamos uma verdade pronta e única que não aceite questionamento. O que faremos aqui é relatar as versões que encontrarmos a respeito do tema, e a partir daí acolheremos, ou mesmo criaremos, a mais plausível e próxima da verdade histórica.

Recorreremos ao dicionário para buscar o significado da palavra Castelo.

 

“Castelo: casa senhorial fortificada, residência senhorial ou real, fortaleza medieval, parte mais elevada do convés do navio”.

ROCHA, Ruth. Mini dicionários – p. 127.

O nome Castelo não é de origem indígena, logo foi dado o referido nome às minas por um europeu, provavelmente um português. Vamos tentar fazer uma breve análise do imaginário do europeu desta época e identificar o significado da palavra Castelo para ele. Castelo é uma palavra ligada essencialmente ao mundo medieval, que a Europa acabava de sair no período em que aqui chegaram. Dava ideia de um lugar grande, fortificado e protegido com poço, pontes móveis, torres e não necessariamente com muito luxo. O nome Castelo está associado também a poder e riqueza, pois era a residência do rei, símbolo de riqueza, mais basicamente de poder. Alguma coisa na região das minas fez os primeiros habitantes lembrarem de um castelo e batizarem a região com o mesmo nome. As denominações encontradas foram: Montes do Castello, Nossa Senhora da Conceição das Minas do Castelo, Serras do Castelo e Castelo. Nós nos dedicaremos a partir de agora, às versões que encontramos a respeito do nome. Sabemos que elas estão diretamente ligadas às diferentes hipóteses de chegada dos primeiros habitantes de nossa região. Tristão de Alencar dá a seguinte versão para a origem do nome:

 

“Diz a lenda que um explorador, vindo da costa, deparou a serrania com alta muralha, enquadrada, nos dois flancos por dois altos picos (Pontões), como legítimos torreões. Teve a impressão de um castelo com muralhas a meias e torres ou bastões. Daí a ideia de solar ou fortificação medieval – o castelo”.

ARARIPE, Tristão de Alencar. “O Ciclo do Ouro em Castelo”. Pág. 32. Ver. Cut UFES – Vitória, 1974.

Esta versão parte do pressuposto de que os primeiros habitantes que aqui estiverem chegaram pelo rio Itapemirim, segundo Tristão de Alencar Araripe, como mostra o mapa abaixo.

A outra versão a que tivemos contato, foi a do major Joaquim José Gomes da Silva Neto, em seu trabalho “Histórias das mais importantes minas de ouro do Estado do Espírito Santo”.

Basicamente. Esta segunda versão diz que os jesuítas foram os que primeiro chegaram, e também denominaram Monte do Castello a nossa região.

Gomes Neto diz que nos lugares onde se encontrou ouro, ou seja, Povoação e Fazenda do Centro, não se verifica na cadeia de montanha que os rodeia, nenhuma semelhança que faça lembrar um castelo, logo, segundo ele, não foi dali, onde os homens escavavam e mudavam o curso do rio, que surgiu a inspiração para o nome.

Para o major, esta inspiração surgiu quando os jesuítas partiram de Rerigtiba, (hoje Anchieta) através do rio Benevente (conforme o segundo mapa), embrenharam-se na mata e aqui chegaram. Segundo ele, foi em uma serra onde nasce o rio Jucu, que fica no antigo caminho que ligava as minas ao mar, que surgiu a inspiração para os padres jesuítas. Perto desta serra, nasce também o rio Caxixe. Esta serra destacava-se das serras adjacentes por sua imponência e altura. Tal serra observada do sítio, perto do Arraial Velho, que pertenceu ao major Vieira, tinha as seguintes características: muito elevada, com um corte no flanco a prumo como uma espécie de parapeito, entre dois pontões a picos perto um do outro, sendo que um era mais grosso do que o outro na base. Ainda deste sítio se avistava, à direita, as serras de Guarapari e, à esquerda, os montes do Benevente. Esta informação rochosa refletindo a luz do sol nascendo proporcionou aos jesuítas a imagem de um castelo, onde o corte vertical da serra era a muralha e os dois pontões as torres. Desta forma estava justificada, segundo ele, a origem do nome Castelo.

O documento mais antigo a que tivemos acesso a respeito da nossa história é datado de 1625, e nele já figurava o nome Castello. Sendo assim, concluímos que foram os jesuítas que nos batizaram, pois sendo eles os primeiros habitantes europeus do lugar que, já em 1625 tinha este nome, ou seja, antes da chegada dos Bandeirantes, não temos dúvidas sobre os autores do nome, pois eram eles os únicos habitantes europeus de nossa região. Outro fato que não podemos negar é que a inspiração para o batismo veio dos aspectos geográficos, ou seja, da cadeia de montanhas ou de uma específica que nos rodeia.

A versão de Gomes Neto com relação ao autor do nome Castelo é mais precisa, pois ele enfatiza que foram os jesuítas. Já Araripe menciona apenas que o autor foi um determinado viajante, sem dar detalhes sobre ele mesmo porque Araripe não comunga da versão sobre o pioneirismo dos jesuítas na exploração do ouro em nossa região. Sendo assim, no que diz respeito ao criador do nome Castelo, Gomes Neto tem razão. Com relação ao local que serviu de inspiração para este nome também encontramos divergências; Araripe diz que foi próximo ao rio Castelo, na região conhecida hoje como Pontões. Já Gomes Neto diz que o lugar, apesar de distante, está ligado ao rio Caxixe.

Também neste aspecto a verão de Gomes Neto leva vantagem sobre a de Araripe, pois em torno do rio Caxixe se concentrava um fluxo maior de pessoas, nada mais natural, pois foi nele que se descobriu o ouro. Isso não significa dizer que os primeiros habitantes desconhecessem o rio Castelo e consequentemente o local que supostamente serviu de inspiração para o nome. Mas as possibilidade do local ser o citado por Gomes Neto são maiores, pois além do rio Caxixe está mais ligado à mineração, o ponto descrito por ele fica mais próximo ao caminho percorrido pelos jesuítas.

Trabalhar com essa possibilidades é um tanto quanto difícil, pois além das documentações serem escassas, estamos lidando com algo extremamente subjetivo, já que nos referimos aos prováveis locais que remeteram à imaginação de nossos antepassados ao mundo medieval. A imaginação, como sabemos, não segue nenhuma tipo de regra estabelecida e não tem modelo fixo, ela é condicionada a cada tipo específico de indivíduo. Como mais um fator a dificultar a precisão deste conceito, temos o fato de que a imaginação é necessariamente movida pela emoção, que por sua vez, está diretamente condicionada a um infindável número de acontecimentos não só do presente, mas também do passado.

Desafiados pelo intrigante e fascinante mundo da imaginação, optamos por não criarmos nossa versão a respeito da origem do nome, mesmo porque ela não passaria de uma nova imaginação, e o que é pior, revestida de um caráter imposto.

Pelo exposto, tudo nos leva a crer que o nome Castelo foi dado pelos padres jesuítas, e a fonte de inspiração foram as montanhas da região. Mas não podemos afirmar, quais, ou qual montanha fez os padres lembrarem da imagem de um castelo, pois ela pode ter sido encontrada no caminho até chegarem aqui, ou mesmo na região das minas. Para finalizar, é bom registrar que a primeira visão que os jesuítas tiveram de nosso futuro município foi de cima para baixo, ou seja, eles chegaram pelo alto, margeando o Benevente até atingirem a nascente do rio Caxixe, e daí desceram para a região onde se encontrava o ouro.

VII – O CAFÉ NO BRASIL

7.1 – Breve Comentário

O café foi introduzido no Brasil no início do séc. XVIII, vindo da Guiana Francesa, pelas mãos do Sargento-mor Francisco Melo Palheta, encontrado pelo Pará. Neste período, a importância do café foi pequena, pois era um produto para consumo doméstico. O produto só ganhava contornos de produção visando o mercado externo no séc. XIX, principalmente a partir de 1830, com o Brasil já independente.

É importante ressaltar que o Brasil passou por problemas econômicos seríssimos com a Balança Comercial constantemente deficitária, em função da ausência de um produto que viesse levantar nossa economia. Foram crises como a do açúcar em queda constante no mercado europeu desde fins do séc. XVII e a do ouro em processo de esgotamento desde o final do séc. XVIII. Fazia-se, então, urgente achar um novo produto que pudesse reerguer nossa economia, e é dentro desse contexto que começa a se vislumbrar a comercialização, em primeiro momento em pequena escala, mas que caminhando o séc. XIX a fora, se torna o pilar de sustentação da economia brasileira. Cada vez mais, os mercados americanos e europeus se expandiam. Tanto assim, que em meados, já deste séc. a pauta de exportação registrava 60% das nossas exportações que se baseavam na comercialização do café.

É importante ressaltar que a empresa cafeeira foi estruturada no mesmo modelo da empresa açucareira, isto é, no Sistema Plantation, monocultura, mão-de-obra escrava e os grandes latifundiários. Começando as produção em larga escala no Rio de Janeiro, depois avançava para o oeste paulista (produção espetacular), para Minas Gerais e para o Espírito Santo.

No Rio de Janeiro, o café se espalhou pela Floresta da Tijuca, Angra dos Reis, Parati, Vale do Paraíba e outras cidades em grande zonas cafeeiras. Mas é em São Paulo que o café encontrou o seu habitat mais propício. Solo fértil, terra roxa, chuvas regulares e temperaturas adequadas, em regiões como Ubatuba, Guaraguatatuba, São Sebastião, Campinas, Jundiaí, Limeira, Itu, Sorocaba, Ribeirão Preto, onde atingiram produtividade máxima, é o que vai tornar São Paulo o mais importante centro econômico do país.

O café foi responsável por grandes transformações sociais, políticas e econômicas no Brasil, alterando profundamente sua estrutura. As cidades cresceram, alterou-se a vida social nos grande centros urbanos com construções e hotéis, jardins públicos, teatros, cafés, ricos salões de baile, bondes puxados a burros, iluminação das ruas com famosos lampiões a gás, bancos, ferrovias e companhias de navegação.

O café reintegrou a economia brasileira aos mercados internacionais, contribuiu decisivamente para as mudanças das relações assalariadas de produção e possibilitou o acúmulo de capital, que disponível, foi sendo aplicado em sua própria expansão e em alguns setores urbanos a indústria, a inversão de nossa Balança Comercial que fecha o séc. XIX apresentado superávit. Realmente, o café tornou-se o “produto rei” de nossa economia.

TABELA DE EXPORTAÇÕES DE CAFÉ DO BRASIL

PORCENTAGENS SOBRE O VALOR DA EXPORTAÇÃO

Produtos

1821/30

1831/40

1841/50

1851/60

1861/70

1871/80

1881/90

Café

18,4

43,8

41,4

48,8

45,5

56,6

61,5

Açúcar

30,1

24,0

26,7

21,2

12,3

11,8

9,9

Couros e peles

13,6

7,9

8,5

7,2

6,0

5,6

3,2

Borracha

2,3

3,1

5,5

8,0

Algodão

20,6

10,8

7,5

6,2

18,3

9,5

4,2

Fumo

1,8

2,6

3,0

3,4

2,7

Cacau

1,0

1,0

0,9

1,2

1,6

Fonte: CANABRAVA, Alice. “A Grande Lavoura”. In. Sérgio Buarque de Holanda (dir.). “História Geral da Civilização Brasileira”. São Paulo, Difel.

 

VIII – O CAFÉ NO ES

8.1 – Breve Comentário

O Espírito Santo, desde a sua colonização, com Vasco Fernandes Coutinho, desenvolveu uma economia baseada na agricultura, em especial a da cana e de outros produtos utilizados na subsistência da população. Apesar das várias buscas pelo metal, a capitania se mantinha com a agricultura.

Até meados do séc. XIX, era o açúcar, apesar da pouca produção, o produto que sustentava a economia capixaba. O ouro, apesar das tentativas, era encontrado em pequena escala, e foi ofuscado pelo ouro em grandes quantidades nas Minas Gerias, o que contribuirá para praticamente o fechamento de nossa capitanias, mediante a possibilidade do contrabando passando por aqui, região pouco povoada, de poucas defesas, na chamada “Barreira Verde”. Isso contribuiu muito para que o nosso desenvolvimento não acontecesse em função do ouro, muito pelo contrário, nos legará um atraso de 300 anos. Assim sendo, nossa capitania vivia à mingua, pouco povoada, sem algo que lhe desse novos ânimo para seu crescimento econômico.

É dentro deste contexto de necessidade de recuperação da capitania, que me 1800 assume o governador Silva Pontes (Antônio Pires da Silva Pontes), e toma de imediato algumas providências para que se alcançasse tal objetivo. Uma delas, e importantíssima, foi a assinatura dos Autos de 1800, ficando definitivamente demarcados os limites entre Minas Gerias e a capitania do Espírito Santo, o que vai preservar o nosso território, já que os mineiros se expandiam em direção ao mar. A assinatura deste Ato vai também contribuir para o incentivo à comunicação entre as duas regiões, favorecendo o transporte pelo até então fechado Rio Doce, levando o povoamento e colonização daquela região, contando com a presença da mão-de-obra mineira, já que o ouro encontrava-se em decadência.

Apesar de todos os esforços, a capitania ainda carecia de uma nova dinâmica na economia. Era preciso que se encontrassem caminhos que levassem ao nosso real crescimento econômico. Mas o que tínhamos para isso? Terras pouco povoadas, mata quase que recobrindo nossa extensão territorial, terras virgens, devolutas, portanto, a nossa saída seria pela via agrícola, devido as nossas possibilidades naturais. Paralelo a isso, o Vale do Paraíba, em grande escala, vinha produzindo um produto, que apesar de ter entrado no Brasil no início do século XVIII, só no século seguinte, séc. XIX, começava a ter expressão na economia do país, seguido por Minas Gerias e São Paulo. Os cariocas começaram a expandir sua produção, fazendo das terras sul capixabas quase que uma extensão de suas terras, seguidos pelos mineiros e depois pelos paulistas.

Existem indícios de que o café já era produzido em pequenas escalas em nossa capitania em 1811, porém era um produto de pouca expressão. Primeiro vinha o açúcar, que a partir de 1826 é superado pela farinha, exportada em larga escala, vinda da região de São Mateus.

O café encontrou aqui, apesar de nosso território não apresentar as condições adequadas para o seu plantio, como no oeste paulista, outros elementos que foram fundamentais para sua produção, como as terras virgens para serem desbravadas e o estímulo do mercado externo, onde o preço e a procura pelo produto aumentavam ano após ano; o menos custo de implantação do produto se comparado ao da cana, o que contribuiu para que os lavradores capixabas abandonassem a sua produção, substituindo-a pela do café, surgindo assim “uma verdadeira febre de plantar café” (BITTENCOURT, Gabriel. Notícias do ES – editora Cátedra – pág. 48).

O período que se segue é de grandes possibilidades para a nossa província (denominação dada às antigas capitanias, a partir da Independência 07.09.1822) e para seus moradores. Em 1815, no Governo de Francisco Alberto Rubim, exportamos nossas primeiras arrobas de café. Em 1852, o café já era o produto de maior valor dentro de nossas exportações, levando nossa balança a apresentar seus primeiros saldos positivos.

Começando pelas regiões do sul: Mimoso do Sul, Cachoeiro de Itapemirim, Apiacá, Itarana, Muqui, Castelo, e indo em direção ao norte, o café foi trazendo grandes transformações para nossa província.

O que antes era uma Província pobre, isolada e sem o menor atrativo para a vinda de forasteiros, como observa Saint-Hilaire, agora não é mais uma realidade, pois grandes contingentes de imigrantes internos e europeus vieram se estabelecer em território capixaba, aumentando consideravelmente nosso número de habitantes, que me 1824 era de 35.000 e passou, em 1900 a 209.783. o desenvolvimento do setor de transportes, tanto rodoviário quanto fluvial (ponto fluvial de Cachoeiro de Itapemirim), incrementa a desobstrução de rios, a construção e a ampliação do Porto de Vitória, que passa a receber a presença constante de navios europeus, e da rede ferroviária, que chega à nossa Província já no final do Império, que de Cachoeiro de Itapemirim ligava-se às regiões do interior, como Castelo e Alegre, além da criação de inúmeras benfeitorias, como o Correio Geral (1884), a iluminação a gás, o telégrafo elétrico, enfim, ares de crescimento e desenvolvimento.

No sul do ES prevalecera a grande propriedade com mão-de-obra escrava, e que vai entrar em franca decadência a partir de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, tornando o trabalho nessas regiões mais ou menos desorganizado.

 

Exportação dos principais produtos pelos portos do Espírito Santo.

Produtos

Porto de Vitória

Norte – Porto de São Mateus

Sul

Porto de Itapemirim

%

%

%

1873/74

1883/84

1885/86

1873/74

1883/84

1885/86

1873/74

1883/84

1885/86

Café

37,6

30,7

29,3

4,3

6,1

5,2

58,1

63,2

65,86

Açúcar

13,3

60,3

35,4

20,3

2,4

66,4

39,7

62,2

Farinha

0,4

6,3

2,4

99,6

92,5

97,5

1,1

0,1

Milho

96,4

99,4

4,6

1,8

0,3

49,8

1,8

0,3

45,8

Madeira

0,1

0,1

74,8

0,6

0,2

0,4

99,3

99,7

24,8

Fonte: A Gazeta

IX – A EXPLORAÇÃO DO CAFÉ EM CASTELO

9.1 – Introdução

Tendo como principal referencial a questão econômica, e encerrando o ciclo do ouro como principal produto da economia castelense temos agora o café, que passa a ser o carro chefe de nossa economia.

Buscando levar o leitor a uma melhor compreensão a respeito do tema, optamos por dividir em fases o estudo da exploração do café em Castelo. Esta divisão é de caráter estritamente didático, e tem como objetivo proporcionar uma melhor análise sobre o tema, pois quando os fatos aconteceram, não se adotava tal divisão. Elegemos como marco divisório da produção cafeeira em Castelo a alteração no tipo de mão-de-obra.

A primeira fase tem como característica principais a utilização da mão-de-obra escrava, a grande quantidade de terra das fazendas, a produção para exportação, a dificuldade para o transporte da produção e a grande concentração de poder nas mãos dos fazendeiros. Esta fase tem início na primeira metade do século XIX, quando os fazendeiros de regiões produtoras de café buscavam novas terras para dar continuidade às suas atividades econômicas.

Antigos núcleos de mineração deram lugar a grandes fazendas de café, que por precisarem de muita quantidade de terras, foram expandindo mata a dentro, explorando as antigas fronteiras do período da mineração. Consideramos como fim desta fase a abolição da escravidão, pois ocorre aí uma ruptura na questão de mão-de-obra.

A segunda fase inicia-se com uma pseudo liberdade para os antigos escravos e pelo sonho de construção de uma nova vida por parte dos imigrantes italianos, longe da fome e penúria que viviam em seu país de origem. A presença de um grande número de imigrantes italianos nas lavouras de nossa terra, no lugar dos escravos é o que mais diferencia a segunda fase da primeira.

Contrariando a tendência nacional, que era o aumento da concentração de terras nas mãos de poucos fazendeiros, em Castelo ocorre justamente o contrário, ou seja, a pulverização da propriedade da terra. Esta característica da região na questão da propriedade também não existia na fase anterior. As demais características da primeira fase não sofrem muitas mudanças na segunda.

Feita essa pequena exposição inicial, podemos nos ater, de agora em diante, às questões que envolveriam a produção do café propriamente dita. Buscaremos nos aprofundar, de forma rápida, nos temas que foram aqui citados, e também abordar outros que julgamos de grande importância para a compreensão da história de nosso município. Segundo a cronologia, abordaremos a primeira fase.

 

9.2 – Primeira Fase da Produção do Café em Castelo

 

9.2.1 – As Grandes Fazendas: migração interna.

Como relatamos na parte que trata da mineração, a região onde hoje é Castelo, ficou um determinado período praticamente desabitada. Este período vai doo fim do séc. XVIII, por volta de 1785, até a retomada dos trabalhos de mineração no início do século XIX. Veja o que diz o “Livro Tombo de Itapemirim”, a respeito deste período:

“Foi assim extinta a Paróquia de N. S. do Amparo dos Montes ou de N. S. Conceição das Minas do Castelo, na qual não existiam em 1785, nem aldeias, nem casas, nem igrejas, nem fazendas, nem sítios, porque os Botocudos, senhores da localidade, tudo destruíram, restando apenas vestígios da Aldeia do Caxixe na atual Fazenda Povoação, pertencente a Francisco Vieira D’Almeida Ramos”.

Após este período que relatamos, tem-se a retomada dos trabalhos de mineração, já no séc. XIX. Mas onde entra o café nesta história? O café estava sendo produzido em larga escala neste período, no Vale do Rio Paraíba. Pois bem, tendo os mineradores se desiludindo com a cata do ouro, e observando que a terra de nossa região era bem fértil e virgem, muitos deles, provavelmente, resolveram mudar de atividades. O grande impulso à cultura do café na região do Castelo se dá com a chegada dos ricos e capitalizados fazendeiros oriundos da região do Vale do Rio Paraíba e também de Minas Gerais. Os poucos recursos utilizados na recuperação do solo e o tipo de agricultura que se praticava exigiam, cada vez mais, novas áreas para plantação do café. E foi graças a esta necessidade que a região onde hoje é Castelo se inseriu no cenário estadual e nacional da produção cafeeira. O mesmo ocorria no Vale do Paraíba Fluminense, onde esse processo se agravou de tal forma, que veio afetar não somente pequenos e médios lavradores, mas até mesmo os grande proprietários. A Baronesa do Pati escrevia, em 1862, a respeito de suas imensas propriedade herdadas do Barão do Pati dos Alferes:

“A absoluta falta de terra para novas plantações de café não me permitiu entender os cafezais.”

ALMADA, Vilma Paraíso. “Escravismo e Transição”. Editora Graal, 1ª edição – 1984. P.76

Os antigos locais que seduziam os aventureiros pelo brilho do precioso metal passaram a atrair fazendeiros de café em busca de terras virgens e férteis para exercerem suas atividades. As primeiras expedições que se dirigiram para a região do Alto Itapemirim, (região onde se encontra Castelo hoje) em busca de terras férteis e propícias à agricultura, e não mais para a mineração, aconteceram em 1822.

Os relatos desta expedição foram feitos por Francisco Lobato e Antônio Marins em 1898. Segundo o referido relato, ela era composta por setenta e duas pessoas, na maioria, índios mansos e escravos libertos. Havia também algumas brancos, e entre eles o capitão-mor Manoel José Esteves de Lima, de origem portuguesa, residente em Mariana, que liderava a expedição. O ponto de partida foi a fazenda São Francisco da Anta em Minas Gerais, e após vencer todas os obstáculos naturais, a expedição chega ao Alto Itapemirim.

Após a avaliação da área, o Major retorna a Mariana, mas para proteger as terras das quais acabava de se apoderar, deixa algumas pessoas de sua confiança nos sítios. Os responsáveis que aqui ficaram tinham à sua disposição escravos e índios para desempenhar a missão de proteger a área e também desbravar as matas. Mas, ao retornar em 1827, o Major encontra a maioria dos sítios abandonados. Os únicos que estavam habitados eram o de Alegre, Veado e Flores, este último, provavelmente, fica situado dentro dos atuais limites do município de Castelo.

Esta expedição, a que tudo indica, não teve nenhum resultado prático para a história de Castelo, ou seja, a partir dela não se contribuiu nenhuma fazenda de café. As primeiras fazendas de café das quais temos notícias em Castelo foram construídas por volta de 1845, e seus primeiros empreendedores foram os irmãos Vieira Machado da Cunha, provenientes da Província do Rio de Janeiro.

Essa gente vinha munida de grande estrutura para realizar a atividade cafeeira, que contava basicamente com dinheiro e escravos. Esses pioneiros vinham para morar na região, e não apenas para explorá-lo abandoná-lo em seguida. Esta característica fez com que se desenvolvessem aqui uma atividade econômica constante e duradora que chega ate os nossos dias. Entre os primeiros povoadores estavam o Major da Guarda Nacional, Antônio Vieira Machado da Cunha, (Fazenda do Centro) e seus irmãos, Joaquim Vieira Machado da Cunha (Fazenda da Prata), Honório Vieira Machado da Cunha (Fazenda Fim do Mundo), Manoel Vieira Machado da Cunha (Fazenda São Manoel). Ainda faziam parte da família as irmãs, Lina Vieira Machado da Cunha, casado com José Vieira Machado da Cunha (Fazenda Povoação) e Francisca Vieira Machado da Cunha, casada com João Pinheiro de Souza (Fazenda Ante-Portão).

É importante lembras que além dos Vieira Machado da Cunha, esta importante fase da história de Castelo foi composta por fazendeiros de Minas Gerias, que através da estrada do Rubim, também migraram para cá pelos mesmos motivos dos fluminenses: em busca de terras férteis e virgens.

Por muitos anos a comunicação entre as então capitanias do Espírito Santo e de Minas Gerais foi proibida por motivos que já abordamos neste livro. Esta longa prejudicial proibição para a vida econômica do Espírito Santo fez nascer a crença de que o incremento econômico da Província estava vinculada à construção de estradas ligando o Espírito Santo a Minas Gerias. Este sonho se tornou realidade no início do século XIX com a conclusão da Estrada do Rubim, que leva este nome em homenagem ao Governador do Espírito Santo na época, no término de sua construção, Francisco Alberto Rubim.

Em termos econômicos, a tão sonhada estrada não teve o resultado esperado. E, apesar de passar nos limites de onde depois veio a se tornar o Município de Castelo, ela não foi a principal via de acesso para os imigrantes fazendeiros, que em sua maioria, era proveniente do Rio de Janeiro. Nesta primeira metade do século XIX, existia em Castelo um considerável número de habitantes nativos (os índios), e parte deles se encontrava no Aldeamento Imperial Afonsino, e é justamente sobre o mesmo que dedicaremos as próximas linhas.

 

9.2.2 – O Aldeamento Imperial Afonsino

O enfrentamento entre brancos e índios foi uma das principais características do período da mineração, e de certa forma, chega até ao café, mas com proporções menores, já que os nativos se encontravam bastante debilitados, e nem de perto, lembravam o poder de luta que tinham na época do ouro. A historiadora Gilda Rocha, que se dedicou ao tema, afirma que o Aldeamento pouco se diferenciava de um acampamento de escravos, pois os índios eram caçados como feras para terem o “direito” de morarem no local.

O responsável não só pelo Aldeamento Imperial Afonsino, mas por todos os índios alocados na Província, era o Barão de Itapemirim, que por diversas vezes assumiu o posto de Presidente da Província. Seus relatórios sobre o Aldeamento são extremamente apaixonados. Mas o que levaria um homem tão influente, poderoso e certamente ocupado, a se preocupar com a sorte dos índios? O fato é que nesta época os índios eram usados como soldados de milícia na construção de estradas, além de mão-de-obra barata na agricultura. Outra grande utilidade dos índios para os fazendeiros era na perseguição aos escravos rebeldes e fugitivos, como ocorrera na importante Insurreição de Queimados (na Senha, no ES) no ano de 1849. Sendo assim, os Aldeamentos funcionavam como estoques de mão-de-obra indígena para servir ao branco.

Longe de ser um defensor da causa indígena, o Barão de Itapemirim estava preocupado com o bom andamento do Aldeamento Imperial Afonsino para garantir a mão-de-obra gratuita para os mais diversos tipos de empreitadas. Veremos agora uma breve história sobre o Aldeamento.

Foi o Governador Balthazar de Souza Botelho e Vasconcelos que teve a primeira iniciativa de cria um aldeamento para os índios Puris, no sul do Espírito Santo. Ele baixou uma Portaria em 09 de outubro de 1821 determinando a criação do mesmo. O ato do Governador não sensibilizou o Governo Geral, e a ideias da criação do aldeamento não se materializou. Em 1831, outra tentativa frustrada de criação de aldeamento partiu do Presidente da Província do Espírito Santo.

A ideia da construção do aldeamento passa a ser uma realidade em 1845, quando o Presidente da Província, Herculano Ferreira Pena, recebe a autorização para construí-lo. Junto com a ordem de construção, vem o nome do futuro aldeamento que se chamara “Imperial Afonsino” em homenagem ao Príncipe Imperial Dom Afonso, que havia nascido em 23 de fevereiro de 1845. Como afirmamos anteriormente, o responsável por todos os índios aldeados no Espírito Santo era o senhor Joaquim Marcelino da Silva, o futuro Barão de Itapemirim, que por sua vez, indicou o engenheiro Frederico Willmer como responsável direto pela construção.

O engenheiro responsável não só coordenou a construção do aldeamento, mas também foi o responsável por ele até setembro de 1847 quando chega o Frei Daniel de Napoli. Com a chegada do sacerdote da Ordem dos Capuchinhos, o engenheiro, até então responsável pela administração do aldeamento, transfere-se para a Colônia de Santa Isabel. O sacerdote Capuchinho é o primeiro religioso a administrar o aldeamento. Sua vinda se deu graças a pedidos do Governo Provincial.

Frei Daniel presidiu o aldeamento por dois anos, e neste período coordenou a construção de cabanas para os índios e iniciou a capela. No local eram criados gados e porcos, além de dois lotes de besta e a ferramenta necessária ao seu manuseio. Os índios fabricavam telhas, e além de cultivarem as roças, outros ainda se especializaram em trabalhos fabris, como serrador, carpinteiro e pedreiro. As índias aprendiam a lavar e a fira com algodão produzido no próprio aldeamento.

A Lei nº 6, de 26 de julho de 1847, cria uma Escola de Letras tendo como professor o senhor Joaquim José Gomes da Silva Neto, que assume as atividades em 23 de março de 1848. Ao que tudo indica, o aldeamento conta uma certa organização neste período. Não se trata aqui de fazer uma apologia ao sistema de aldeamento, pois como afirmamos anteriormente, seu principal objetivo era a escravização dos índios. Parece-nos que neste período o aldeamento gozava de um certo progresso, isto através da ótica dos brancos, o que pera os índios significava exatamente o contrário, ou seja, a perda de sua identidade.

Existia uma divergência entre os missionários e os representantes do Governo em relação aos índios. Os primeiros buscavam a conversão e a catequização dos nativos. Já os homens que representavam o Governo e que eram considerados os grande empreendedores da época, queriam mesmo era escraviza-los para construir o progresso Revoltado com a escravização dos índios, e após um desentendimento com o Barão de Itapemirim, Frei Daniel abandona o aldeamento. No dia 27 de maior de 1849 o Capuchinho dá entrada no hospício do Rio de Janeiro. Após deixar o manicômio, vai para São José de Leonissa, e em 1855, transfere-se para Sergipe. No ano de 1869, volta para sua terra natal e morre no ano seguinte.

Os homens de negócios da época, os empreendedores, vencem a queda de braço com os religiosos, e de 1849 a 1855, o aldeamento fica sem nenhum missionário. Mas os religiosos eram imprescindíveis ao bom andamento do aldeamento, já que eles tinham um melhor relacionamento com os nativos. Sem a presença dos religiosos, os índios podiam ser escravizados, mas o número dos que permaneciam nos aldeamentos era cada vez menor devido aos maus tratos e aos desgastantes trabalhos.

No período em que o aldeamento ficou sem missionários, a escola foi extinta em 1852, e o professor foi para São Miguel, no distrito de Mangaraí, exercer sua atividade. Nesta fase também, muitos índios voltaram para a mata, e as roças e atividade outrora desempenhadas por ele foram paralisadas. Apesar das divergências com relação ao tratamento dispensado aos índios pelos religiosos, o governo local estava convencido de que sem padre o aldeamento não teria futuro. Por isso mesmo, foram vários os pedidos do Governo Provincial para que o aldeamento voltasse a ter um religioso à sua frente.

Os pedidos do Governo Provincial eram remetidos ao Ministério da Justiça do Império, que encaminhava os mesmos ao Comissário Geral dos Capuchinhos, Frei Fabiano de Scandiano. Neste período de seis anos, o aldeamento teve vários diretores leigos, sendo esta série interrompida com a chegada do Frei Bento de Gênova.

Apesar dos insistentes pedidos ao Governo Provincial, não foi através do Comissário Geral que Frei Bento se deslocou para o aldeamento. A iniciativa partiu do próprio padre, que enviou uma carta a Frei Fabiano de Scandiano (Comissário Geral) pedindo ao mesmo que o nomeasse responsável pela aldeamento, em janeiro de 1856. Frei Bento já se encontrava no local à espera da nomeação, que ocorreu no dia 07 de janeiro do mesmo ano. No dia 29 de fevereiro, o então Presidente da Província, Barão de Itapemirim, nomeara Frei Bento de Gênova como Diretor do Aldeamento.

O tempo que Frei Bento ficou à frente do aldeamento foi curto, pois em meados de 1857, o Barão de Itapemirim, Presidente da Província, demitiu-o do cargo. Os motivos da demissão foram os mesmos que levaram Frei Daniel a abandonar os índios. No curto período em que esteve à frente do aldeamento, Frei Bento iniciou a construção de alojamentos para os índios, casa para o diretor, além de uma capela e um cemitério. Para alcançar o que ele escarava como desenvolvimento econômico, mandou construir também um moinho, uma olaria e um paiol para guardar os mantimentos.

Novamente o aldeamento retorna para as mãos de administração dores leigos, que por não terem a capacidade dos religiosos para se relacionarem com os nativos, acabavam por espantá-los. Em 22 de dezembro de 1858, existiam apenas 28 índios no aldeamento. Em 1861, o número era ainda menor, não passava de 18 índios, distribuídos em 04 arruinadas casas. A antiga casa do diretor e a capela estavam abandonadas.

Em 1867, o Aldeamento deixa de ter uma certa autonomia e é anexado ao distrito de Rio Pardo, que pertencia ao Município de Viana. Em 1867, o aldeamento é anexado ao Município de Cachoeiro, e em 15 de novembro de 1871, passa a ser considerado como Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Aldeamento Imperial Afonsino, hoje município de Conceição do Castelo. As terras foram sendo ocupadas por invasores, e os poucos índios que restavam, buscavam sua sobrevivência cada vez mais mata adentro.

Na primeira metade do século XIX, era essa a realidade dos habitantes de nosso futuro município. De um lado, os fazendeiros aventureiros de Mariana – Minas Gerais, na pessoa do Major José Esteves de Lima, que junto com alguns seguidores percorreu nossa região em busca de terra fértil para a prática da agricultura. Posteriormente, vieram os fazendeiros do Vale do Paraíba com escravos e dinheiro, e aqui se apossaram de grandes quantidades de terras para cultivar café. E por fim, os índios que viviam dispersos nas matas ou no Aldeamento Imperial Afonsino, que oscilava entre a administração violenta dos leigos e dos religiosos que os enchiam de pecados e negavam-lhes o direito à liberdade de serem índios.

Mas o contingente populacional de maior importância neste período era, sem dúvida, os escravos, pois seu trabalho sustentava toda a sociedade da época. Todo tipo de trabalho ficava a cargo dos escravos. Compreendendo a importância do trabalho escravo para a história do nosso município, dedicaremos uma parte do nosso Livro ao tema da escravidão em Castelo e no sul do Estado.

Nesta fase da história ainda não tínhamos uma urbanização forte, isto implica dizer que a sociedade não girava em torno da cidade, e sim das fazendas. Eram nelas que se concentrava o poder das decisões econômicas. Elas funcionavam como organismos autônomos, e é justamente sobre elas que falaremos a partir de agora.

 

9.2.3 – As grandes Fazendas de Café – a concentração do poder nas fazendas

As fazendas de Castelo eram realmente grandes, a média de tamanho era o dobro das demais fazendas da região sudeste, e atingia 2.807 hectares. Dentro de suas terras, os fazendeiros detinham um poder quase que ilimitado, eram senhores da vida e da morte não só de seus escravos e empregados, mas também dos membros de suas próprias famílias.

A grande concentração de poder nas mãos dos fazendeiros era um fenômeno nacional, e não apenas local. A própria estrutura da sociedade dava suporte a este poderio, que em Castelo, por condições que iremos abordar, era ainda maior.

As condições que garantiam maior poder aos fazendeiros eram o tamanho das fazendas e a quase inexistência de meios de transporte e de comunicação com os demais municípios e entre as próprias fazendas. O isolamento comprometia a influência externa dos fazendeiros em relação a outros locais e até mesmo à Província. Mas, com certeza, fortalecia seu poder interno, já que o isolamento dava-lhes a certeza da não intromissão de nenhuns tipo de outra autoridade em seus domínios.

As grandes fazendas se formaram em áreas desabitadas, salvo por alguns índios, daí o motivo da imensa quantidade de terras. O tamanho, aliado ao isolamento, fazia com que elas se tornassem praticamente auto-suficientes. Quase tudo de que se necessitava era produzido na própria fazenda.

As fazendas eram o astro-rei, e em torno delas girava tudo que existia: mascates, escravos, padres, professores, médicos, políticos, etc. Os fazendeiros eram os donos da verdade. A lei existia para legitimar seus atos, pois a posse da terra, o único meio de produção de época, garantia-lhes direitos e poder ilimitado.

 

9.2.3.1 – A Posse da Terra

Quem detinha o poder de propriedade sobre a terra neste período era, automaticamente, a pessoas mais poderosa da sociedade. Veremos agora como se processava o direito de propriedade da terra, direito esse que era de uma ínfima parcela da sociedade.

O que predominava em nossa região eram as terras devolutas (abandonadas). O Estado tinha o poder de vende-las aos interessados. Mas a venda de terra pelo Estado a particulares no sul do Espírito Santo, mais precisamente em Cachoeiro de Itapemirim, que incluía Castelo, só teve início depois de 1860. A chegada dos primeiros fazendeiros em Castelo é anterior a esta data, e isto nos faz acreditar que os primeiros proprietários de terra tiveram apenas o trabalho de ocupar e cultivar a mesma sem comprá-la.

Depois de produtivas é que as fazendas eram legalizadas. As leis que tratavam sobre a questão das terras beneficentes a formação da grande propriedade, pois a terra era uma mercadoria, e como tal, deveria pertencer a quem dispunha de recurso para adquiri-la. O avanço das grandes fazendas se dava em detrimento dos pequenos proprietários, que sem recurso para investir na produção e temerosos quanto às possíveis dívidas para com o Estado, referentes à legalização de suas terras, acabavam cedendo à pressão dos grandes fazendeiros e vendendo para eles suas propriedades.

Com a venda de terras devolutas, o Estado arrecadava recursos, por isso mesmo ele incentivava as transações que tinham como objetivo também trazer mais fazendeiros para nossa região. Como principal estratégia para atrair proprietários, o Governo usava os baixos preços das terras, que eram os menores da Região Sudeste. De 1863 a 1871, ele baixou o preço médio da braça quadrada de terra de 1 réis e 3/10 para 6/10 de réis.

Os fazendeiros chegavam, ocupavam a quantidade de terras que lhes convinham, colocavam seus escravos para trabalhar, e só depois de anos produzindo, eles regularizavam a situação de suas terras com o Estado, a preços irrisórios. Os pequenos fazendeiros, que porventura estivessem utilizando-se de terras devolutas entre as grande fazendas que interessassem aos grandes proprietários, não tinham chances de permanecerem ali, pois sofriam todo tipo de pressão para vende-las aos poderosos fazendeiros.

Analisamos, de forma genérica, como um pequeno grupo de grandes fazendeiros controlavam a região que veio a se tornar o nosso Município. Vimos também, de forma geral, como se constituiu uma sociedade de poucos privilégios e extremamente excludentes. Agora iremos nos ater às questões mais específica dos fazendeiros mais importantes.

 

9.2.3.2 – As Fazendas

A primeira fazenda que iremos abordar é a Fim do Mundo, que conserva este nome até hoje. O proprietário era o Sr. Honório Vieira Machado, um dos irmãos Vieira Machado da Cunha, que foram os pioneiros na implantação das grandes fazendas escravocratas em nosso município. O fazendeiro que era casado com Clara Ramos do Prado Amaral faleceu no dia 19 de junho de 1864, deixando os seguintes herdeiros: Pedro (14 anos), Ana (13 anos), Zulmira (11 anos), Engracia (10 anos), Vantuil (9 anos), Izabel (8 anos), Honorio (6 anos), Adelina (4 anos), Amassilia (2 anos), Júlia (1 ano) e Honório (2º).

A fazenda Fim do Mundo era extremamente grande e possuía quatro sesmarias (uma sesmaria possuía em média 6.500 m² de terras), seus limites eram às margens do Rio Castelo, ao sul, com Francisco Alves Carneiro, e ao norte, com Lourenço Bernardo de Souza, que era filho do Barão de Guandu, dono da fazenda Santa Helena. Do lado de cima, o limite eram as terras de Manoel Vieira Machado, da fazenda São Manoel.

O produto cultivado para o mercado era o café. Quando o proprietário da fazenda morreu ela possuía um total de 99 mil pés de café. Também faziam parte da fazenda uma casa de centro, uma casa de sobrado, um armazém para guardar café, uma casa de engenho de cana, um paiol para guardar milho, uma senzala de telhas e um chiqueiro.

Entre os bens móveis da fazenda constavam camas, cadeiras, sofás, objetos de uso doméstico, joias, piano, relógio de parede, lampião a querosene e ferro de engomar. O valo dos bens móveis existentes na fazenda, em 1865 era de 14.004.450 mil réis.

Para ajudar na produção do café, existiam também na fazenda 8 bois, 10 garrotes, 7 vacas com crias, bestas e 6 animais de selas, além de uma balança de 60kg e várias enxadas. Mas, a principal ferramenta de trabalho do fazendeiro, eram os escravos, que desempenhavam todo tipo de trabalho, desde as mais simples atividades domésticas, até o árduo trabalho nas lavouras cafeeiras. O Sr. Honório Vieira Machado possuía 58 escravos, sendo que 32 eram homens, 14 mulheres e 12 crianças.

Outra fazenda deste período, e também do mesmo proprietário da anterior, era a de São Cristóvão, que se localizava onde hoje existe uma comunidade com o mesmo nome. Seus limites eram a leste, com a Fazenda da Prata, pertencente a Joaquim Vieira Machado da Cunha (irmão de Honório Vieira Machado); a oeste, com terceiros pertencentes ao Major Antônio Vieira da Cunha (irmão de Honório Vieira Machado).

A fazenda São Cristóvão possuía 3 sesmarias, uma casa que funcionava como sede e um rancho coberto de telhas. Ela também produzia café só que em menor quantidade do que a do Fim do Mundo, pois possuía apenas 8 mil pés de café, além de 6 alqueires de capoeirão.

A Fazenda do Centro foi uma das mais importantes de nosso município, pois além de ter sido fundamental no período das grandes fazendas que estamos estudando, também foi palco do período anterior, o da mineração, e também teve participação imprescindível no período que analisaremos posteriormente, o da agricultura familiar com os imigrantes italianos.

Na época da mineração, a referida fazenda pertencia ao velho Povoas, um minerador e que com o fim das atividades de mineração na região, acabou abandonando a fazenda. Por volta de 1845, o Major Antônio Vieira Machado da Cunha, um dos pioneiros na produção de café em Castelo, funda a Fazenda do Centro. O Major era casado com Maria Leopoldina, com quem teve apenas uma filha, Ana.

A filha do Major casou-se com o português Manoel Fernandes de Moura, que era comerciante na rua da Candelária no Rio de Janeiro. O Sr. Moura, como era conhecido, herdou a fazenda com a morte do Major. Com a morte do Sr. Moura, durante uma viagem da Europa para o Rio, a fazenda passou por algumas pessoas e acabou sendo comprada pelos padres Agostinianos, mas essa transação já faz arte da segunda fase do café em Castelo, que discutiremos mais adiante.

No período das grande fazendas, a do Centro foi a mais importante, não só do que veio a se tornar o município de Castelo, mas de toda a região do sul do Espírito Santo. Ela possuía, em 1870, 161 escravos e 242 mil pés de café. Seu patrimônio total, incluindo pés de café, terras, instalações e equipamentos, residência, pertences e animais atingia 245,303 mil réis.

Casarão da Fazenda do Centro – Atual – Castelo – ES

Entre as benfeitorias existentes na maior fazenda da região sul estavam: Engenho de Pilão, Engenho de Serra, Torno, Engenho de Mandioca, Engenho de Pilar Arroz, Engenho de Cana, Enfermaria com varandas, Olarias, Telheiros, Moinho, Curral, Lavador de Café, além de 39 senzalas, algumas com assoalhos.

Estes objetos enumerados eram utilizados para o trabalho, mas existiam ainda os que eram para o lazer dos proprietários, como por exemplo, piano de cauda, casa de vivenda assombrada, mobílias de jacarandá, joias e objetos de ouro e prata.

A Fazenda do Centro limitava-se ao norte, com as vertentes dos rios Jucu e Tapera e terras devolutas; ao sul, com as fazendas Criméia e São Cristóvão, além de terras devolutas, que por sua vez, faziam limites com o núcleo colonial Rio Novo, e também com as vertentes dos rios Prata, Fruteira, Rio Novo e Beneventes.

A leste, as terras da Fazenda do Centro limitavam-se com as vertentes dos rios Jucu, Beneventes e São Cristóvão, e também com terras devolutas. A oeste, os limites eram as fazendas Criméia, São Manoel, Povoação, Bella Aurora e Pindobas, além do sítio Santa Izabel.

Casarão da Fazenda do Centro – início do século XX – Castelo – ES

Temos ainda a Fazenda da Povoação, que assim como a do Centro, também presenciou as duas importantes fases da história econômicas do nosso município, a mineração, a produção de café nas grandes fazendas escravocratas e a agricultura familiar com o imigrantes italianos. A Fazenda Povoação ficava na região onde é hoje a comunidade de Limoeiro e pertencia a José Vieira Machado, natural de São João Del Rei, que era casado com Lina Ludgaria Vieira Souza, irmã de Antônio Vieira Machado da Cunha, da Fazenda do Centro.

José Vieira Machado era Capitão reformado da Guarda Nacional e Cavaleiro da Imperial Ordem de Cristo. O inventário de seus bens foi feito em 1871, após sua morte. Além da viúva Lina, deixou como herdeiros: filhos, genro e noras. Rachel (30 anos), casada com Francisco Vieira de Almeida Ramos, Rita (28 anos), casada com José Nunes de Almeida Ramos, Januária (27 anos), casada com Gabriel Ferreira Pena, Conrado Vieira Machado (25 anos), Teodozia (22 anos), casada com o Major Antônio Rodrigues da Cunha, Cezar Vieira Machado, (19 anos) solteiro, Maria Lina (24 anos), solteira, Isabel (17 anos), casada com Bernardo de Almeida Ramos e Josephina (13 anos), solteira.

O fazendeiro da Povoação tinha 9 filhos ao todo, e antes de morrer, deixou um testamento o qual iremos citar seus pontos mais importantes. No testamento, ele diz ser uma pessoas muito católica e temente a Deus, além de ser fiel à esposa e aos preceitos da religião. Os testamenteiros são: Conrado Vieira Machado (filho), Francisco de Almeida Ramos (genro), Rachel (filha), Gabriel Ferreira Pena (genro) e Jenuária (filha).

José Vieira Machado, em seu testamento, deixou 500 mil réis de esmola para a igreja que seria construída em Cachoeiro e 100 mil réis para os pobres. Deixou também, para um tal Felício Carolina, o sítio de Santa Justa, no Córrego do Remanso. Libertou os escravos pardos: Henrique, filho de Josephia, e Fernando, filho de Micaela, que ganharam 10 alqueires de terras no Remanso, além de ter libertado também os escravos crioulos: Anastácio e sua mulher Carolina.

Aos filhos: Rachel, Rita, Januária, Theodosia, Conrado e Isabel, que eram emancipados, deixou por doação 7 contos e duzentos réis a cada um. A filha solteira recebeu igual valor, porém, em bens.

A Fazenda Povoação possuía um total de terras de três sesmaria e meia. Os limites eram a cabeceira do ribeirão, denominada povoação, bem como todas as suas vertentes; do lado de baixo, com a Fazenda denominada Centro, na Cachoeira do Veado. A fazenda possuía 161.000 pés de café, além de 5.000 pés de mandioca. Toda essa plantação, assim como todo os outros tipos de trabalho, eram realizados por 56 escravos, sendo 22 homens, 20 mulheres e 14 crianças.

A Fazenda contava também com um rebanho de 14 bois, 10 novilhas, 7 vacas, 1 touro, 1 jumento, 13 bestas e 8 burros. Como bens de raiz, ou seja, imóveis, a fazenda possuía 1 casa de vivenda, 1 engenho de pilões, 1 paiol de telhas, q prensa de moer mandioca, 1 casa de senzala, 1 casa de estrebaria, 1 casa e 1 paiol no sítio de Água Limpa, 1 serraria e seus pertences, 1 casa de tropa, 1 olaria e forno de telhas.

A Fazenda Povoação era famosa pelo se luxo e pelas festas que promovia. Dentre os objetos de uso doméstico podemos citar alguns, como os castiçais e os telhares de prata, os aparelhos de chá e jantar de louça, o relógio de ouro, e outro de parede de caixa e também um piano. A casa também possuía cômodas de vinhático, jacarandá, mesas para refeição, guarda-louça e várias cadeiras.

Os objetos para o trabalho doméstico eram uma máquina de costura, várias facas de cabo de marfim, panelões de ferro, tachos e bacias de cobre.

Encontramos também a Fazenda Santa Helena que ainda conserva o mesmo nome. Ela fica situada atualmente no município de Conceição do Castelo, que se desmembrou do nosso, mas optamos por incluí-la neste estudo por acreditarmos que a mesma teve uma contribuição importante na história de Castelo.

A Fazenda Santa Helena pertencia ao Sr. João Bernardo de Souza, tenente-coronel da Guarda Nacional, que também detinha o título de Barão do Guandu. A dita Fazenda era composta por outras fazendas, como a de Santa Tereza, São Quirino, Nogueira, Ribeirão e Santa Maria, somando um total de 17.246.453 m².

Na lista de inventário de bens existentes na fazenda constam: paiol para milho, engenho para beneficiar café movido à água, lavadouro de café, tulha para café, moinho de fubá, engenho de serra, serva para engordar porco, galinheiro e cerca de duzentos mil (200.000) pés de café. O rebanho da fazenda possuía 70 cabeças de gado, 4 animais de montaria e 18 bois de canga (usados para transporte).

A casa da sede da Fazenda ainda se encontra de pé, servindo de morada aos herdeiros do barão. Pelo seu tamanho e suntuosidade podemos imaginar o que de fato foi a fazenda no passado. As janelas da casa são no estilo francês, com muitos vidros; os móveis são austríacos; o teto é forrado com madeiras trabalhadas; a varanda e a fachada são cobertas por telhas colonial-francesa. A todas essas características, soma-se o fato dela estar localizada em um lugar alto, proporcionando, através de suas janelas e varandas, um belíssimo visual da região.

Dos herdeiros de João Bernardes de Souza, o Barão de Gandú, o que ficou com a sede, com o casarão foi Marcelino Bernardes de Souza, fruto de uma relação extraconjulgal com uma escrava. Marcelino Bernardes de Souza morava com a família do pai, e segundo os sues descendentes, atuais moradores, era o preferido do Barão. É este filho, bastardo, que comprou dos irmãos, que não tinham interesse na fazenda, parte dela, a sede e alegou aos seus.

O que muito nos entristece é o péssimo estado em que se encontra o casarão, não só pelo que representou em produtividade, mas também pelo destino incomum que teve.

Também da família Vieira Machado, instalou-se em Castelo o tenente Joaquim Vieira Machado da Cunha, irmão de Antônio e Honório Vieira Machado da Cunha. Joaquim fundou a Fazenda da Prata, nome que persiste até hoje, próximo ao ribeirão de mesmo nome, que era afluente do Ribeirão do Meio. A fazenda fazia divisa com a Fazenda São Cristóvão, de seu irmão Honório, e com a Fazenda do Centro, de seu irmão, Antônio.

Joaquim Vieira Machado da Cunha era casado com Ana Cunha e teve os seguintes filhos: Maurício, Joaquim, Joaquina, Belizário, Lourenço, José, Francisco, Lafayete e Maria. A Fazenda tinha como administrador José da Rosa Machado, que posteriormente foi proprietário da Fazenda Boa Vista.

Infelizmente não encontramos dados mais específicos sobre a Fazenda da Prata em livros de cartório, mas o pouco que encontramos nos dá cota de que era grande, assim como as demais fazendas da região. Não são poucas as historias que ouvimos contar a respeito da forma como eram tratados os escravos e as escravas desta fazenda, rendendo ao local o apelido de Fazenda do Suplício. Grande parte das histórias contadas sobre os escravos não tem comprovação histórica.